O simples que se perdeu em mim

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Enjoei de manga. Não gosto mais de goiaba. Perderam o gosto da infância e ficaram com gosto de quase nada. Uma fruta com essência de manga, outra com essência de goiaba. Não preciso mais esperar chegar a vez. Chega o ano inteiro ao mercado. Chega com gosto de fruta colhida antes da hora. Gosto de pressa.

Não é que elas perderam o amadurecimento, perderam o encantamento. Perderam a marcação do tempo. Eu sabia que o Natal já não estava tão longe quando as mangas começavam a madurar. Então manga tem pra mim gosto de fim de ano. Se a vontade apertava, a gente comia ela verde mesmo, com sal. Depois era tanta manga, que a gente juntava a família pra fazer doce.

Eu sabia que era época da goiaba quando via a molecada pular o muro da casa abandonada do bairro. Lá estava o pé mais cobiçado do pedaço. Quando ele carregava de goiaba, eu me carregava pra lá também. A goiaba roubada era dividida entre a criançada sentada no meio-feio.

Minha boca começou a salivar só de lembrar do milho verde que meu pai plantava no lote baldio ao lado da casa da minha infância. Ele chegava do trabalho e corria pra fazer a colheita pro almoço. Era tanto amor plantado ali que o dia que venderam o lote pra construir uma casa, ele murchou. Tinham levado junto uma parte dele.

Vou amadurecendo e voltando a querer fruta madura, amadurecida assim como eu. Volto a querer esperar o tempo das coisas. Talvez eu esteja atrasada ou talvez esteja no meu tempo, mas só agora venho descobrindo as feiras, conhecendo os pequenos agricultores que vendem verduras e frutas da época no meio da cidade grande, que plantam ouvindo a natureza.

Me pareceu um reencontro com o sabor perdido e com o simples que se perdeu em mim. Dia de feira virou dia de levar minha criança pra passear. Cada fruta comprada, uma história contada por quem plantou.

Tudo isso pra eu contar que voltei a chupar manga. O dono da banca me disse que tinha acabado de pegar do pé. Eu me lambuzei até os dentes ficarem cheios de fiapos. Nutri a criança saudosa. Retiro a primeira frase deste texto. Eu enjoei foi de fruta sem gosto. Pode anotar, o Natal não demora a chegar.

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