Dia das Crianças sem criança

Foto: Fotografia de Luxo

No começo do ano, quando tive a confirmação de que estava grávida, recebi do obstetra a previsão de que o parto deveria ocorrer na semana do 12 de outubro. “No Dia das Crianças você terá sua própria criança. Que presentão, hein?”, disse ele. Mas o presente não veio. No meio do caminho havia um aborto espontâneo.

Muitas certezas ruíram dentro de mim, desde então. A única convicção que restou é a de que o sofrimento de um aborto espontâneo é subestimado. Querem te convencer que é tão natural como menstruar ou entrar na menopausa. O que não significa que seja fácil. Ou indolor.

Não é uma dor crônica, daquelas que te fazem cair de cama. Ela surge do nada, quando alguém chama uma criança pelo mesmo nome que você daria à sua, ou quando você encontra aquele sapatinho que esqueceu de encaminhar à doação.

É uma dor que aperta o peito e trava a garganta, mas que você respira fundo e se esforça para não demonstrar, porque é isso que todos esperam. Se esquecem que o bebê foi embora, mas a mãe não. Dias depois, seus seios continuam inchados. Meses depois, os hormônios permanecem desregulados. E os sonhos e expectativas… bem, com esses ainda não descobri o que fazer.

O que me salva é a escrita curativa. Apesar de não faltar gente com escuta empática e amorosa ao meu redor, algumas dores são tão profundas, que é difícil falar. Então, digitar no computador frases aparentemente desconexas pode ser o começo de um desabafo. Reler e reescrever essas frases permite que pensamentos e sentimentos tomem forma. E quando se vê, o que era tão complicado de dizer está bem ali, na sua frente.

Sei que a dor é um processo e acredito estar no meio dele. Pouco a pouco, alguns avanços vão surgindo. O vestido dessa foto é o mesmo que eu usava no dia em que soube que estava grávida. Ficou parado por meses no armário, mas já consegui voltar a usá-lo. Ele marca a passagem da mãe que daria a luz para outra que não quer viver na escuridão. Enquanto tento abrir as janelas, transmuto a penumbra em palavras. Obrigada por me ouvir.

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