Vale a pena ser legal?

Imagem ilustrativa do texto Ser legal vale a pena?, de Fabricia Hamu
Foto: Unsplash

*Fabricia Hamu

“Faça o bem e não olhe a quem”. Conselho de vó, desses que a gente recebe e nem presta muita atenção, porque parece vir cheio de um desapego que ainda não temos evolução espiritual para colocar em prática. E minha avó sabia mesmo do que estava falando, porque se teve alguém que exercitou a caridade ao longo da vida, essa pessoa foi ela.

Cresci ouvindo isso, mas nos últimos tempos parece difícil de internalizar. Histórias de gente que recebeu tudo de bom e retribuiu com traição e egoísmo me fizeram repensar conceitos. Vale a pena ser solidário? De que adianta fazer o bem e não olhar a quem, se quando a gente mais precisa, só se ferra? A revolta tomou por completo a minha alma.

Seguindo de novo o conselho de vó, esperei o barro secar. O lance é o seguinte: quando você suja seu sapato no barro, se tentar limpá-lo com ele ainda fresco, vai espalhar ainda mais a sujeira. Por outro lado, se esperar secar, verá que basta dar uma sacudida no calçado e passar um pano úmido, que rapidinho ele ficará limpo.

Barro seco, vamos às conclusões: vale a pena ser bacana com as pessoas.

Vale sim. Pensando em todo mundo com quem já fui legal ao longo da vida, me dei conta de que a maioria, a maioria mesmo, também foi muito legal comigo. Distribuí flores, mas também ganhei ramalhetes lindos, que só de pensar enchem o coração.

Quem não deu conta de retribuir o amor, o cuidado e a atenção que recebeu, geralmente não o fez porque não quis ou porque não conseguiu. Daí a questão passa a ser do outro, não minha. Ele tem o direito de não querer o meu afeto e é preciso respeitar isso. Ele tem o direito de não saber expressar o que sente, e é preciso compreender isso.

Existe também uma outra categoria de gente: aquela que tem perfeita consciência do que faz e quer, mas mente e manipula, de forma a receber tudo de melhor que você tem a oferecer, para depois, estrategicamente, sair à francesa e não retribuir nada.

Gente que te suga até à alma, e depois vai embora, de caso pensado, sem a menor cerimônia.

Esses terminam encurralados. Porque quem faz o bem abre portas. E onde há portas abertas, o ar circula, a luz do sol entra e a vida flui livremente. Já quem usa as pessoas para depois feri-las, fecha portas. E portas fechadas criam ambientes escuros, asfixiantes, solitários e de energia estagnada. Poeira, mofo e breu é o que se encontra por lá.

Estava olhando meu terreno, e vi que construí uma casa bem grande. Ampla, arejada, com jardim e varanda. As portas estão todas abertas e tem muita gente passando. É um entra e sai danado. Quem sai, leva um pouco de mim e vai embora mais rico. Quem entra, deixa um pouco de si e eu fico mais rica. Vó sabe mesmo das coisas.


*Fabrícia Hamu é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Escreve às segundas-feiras, duas vezes por mês.

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