Sobre se perder da mãe para sempre no shopping center

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Foto: Arquivo pessoal

*Fabrícia Hamu

A melhor analogia que já li sobre o que é ser adulto é aquela que compara essa fase da vida a se perder da mãe para sempre na loja do shopping center. Na infância e na adolescência ela está lá, para pegar na nossa mão e nos conduzir com seus conselhos, regras e passos. Quando nos tornamos adultos, não há mais bússola. Agora é por nossa conta e risco, para o bem ou para o mal, com todo o pânico e excitação que isso pode envolver.

Se você não fizer comida, não come. Se não cuidar da saúde, adoece.

Se não trabalhar, não ganha dinheiro. Se não estudar nem se esforçar, não cresce na profissão. Se não se abrir para o mundo e correr riscos, não se relaciona. Basicamente, aqui quem dá as diretrizes de causa e efeito somos nós.

Você tem total autonomia para tomar suas decisões, o que pode ser maravilhoso – como no caso da escolha de uma viagem para um destino insólito – ou desesperador – como no caso de quem precisa definir como vai educar os filhos.

Mas a independência que a perda para sempre da mãe no shopping nos oferece não é o único critério para dizer que somos, de fato, adultos. Há um outro: responsabilizar-se pelas decisões tomadas. Porque a gente só cresce quando entende que, de nada adianta fazer o que bem quer, se na hora de assumir as consequências, jogamos a culpa inteira em quem nos cerca. O namoro acabou porque o outro é um embuste. A demissão ocorreu porque o chefe é mau. As contas estão no vermelho por causa da crise. Você é ótimo, mas não tem sorte. Será mesmo?

Enquanto não aprendemos que cada atitude é fruto de uma escolha pessoal, não podemos nos considerar amadurecidos.

É evidente que há situações que não planejamos, como a perda de um ente querido, um acidente, a falência da empresa onde trabalhamos, uma doença grave. Entretanto, a forma que reagimos a tudo isso é, sim, de nossa inteira responsabilidade. Portanto, se o fundo do nosso poço terá ralo ou mola, cabe a nós escolhermos – e assumirmos a responsabilidade pelas consequências dessa escolha.

Então a vida de adulto presume autonomia e responsabilidade, certo? Errado. Falta aí mais um elemento que a perda eterna da mãe no shopping nos traz. A tríade do amadurecimento só estará completa quando aprendermos também que não controlamos nada – apenas, e com muito custo, a nós mesmos. Livres para agir como bem quisermos, bradando aos quatro ventos a autoria de nossas ações, podemos ter a ilusão de que o mundo vai de acordo com nossa vontade. Ledo engano. Os outros têm vontade própria e as circunstâncias muitas vezes nos atropelam e surpreendem.

Agir, assumir que agiu porque escolheu assim e aceitar que, diante do incontrolável, foi o que deu para fazer. Talvez esteja aí, nesses três passos, o segredo de se tornar adulto. Mas olhando assim, parece que falta alguma coisa… É que crescer também envolve o reconhecimento de que nem sempre conseguiremos resolver tudo sozinhos. Mesmo maiores de idade e autônomos, precisamos de ajuda. Devemos ter humildade para reconhecer isso. E aí descubro que está o quarto passo: a mãe que estava sumida no shopping reaparece.

Passamos muitos anos de nossas vidas de adulto negando nossos pais.

Queremos nos apartar deles, construir nossas próprias identidades e histórias, nos dissociar do que nos parece familiar e limitante. Nessa hora, perder a mãe é uma bênção. Mas a verdade é que ela nunca foi embora. Só esteve de longe, nos observando para ver o que fazíamos. De repente, a mão da qual largamos reaparece bem ali, estendida.

Ela não é mais opressora, mas um alento. E aí a gente aprende o quinto passo – pois, ao final, não se trata de uma tríade nem de um quadrado, mas de um círculo virtuoso: a gente só cresce mesmo quando consegue fazer com que presente, passado e expectativas de futuro caminhem juntos e em paz.


*Fabrícia Hamu é uma das fundadoras do Vida de Adulto. Escreve às segundas-feiras, duas vezes por mês.

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