Um café quente 40 anos depois

Foto: Pixabay

*Taciana Collet

Não gosto de café.

Não tomo porque não gosto mesmo. E olha que fui criança criada por vó coando cafezinho pra quem da vizinhança quisesse. Era só bater na porta quando subia o cheiro do café coado. Sempre vinha junto um biscoito de polvilho. Era eu chegar na casa da minha vó na hora do café que ela perguntava se eu queria uma xícara.

— Vó, eu não gosto de café.

Ela não desistia. Repetiu a pergunta durante toda minha infância, insistiu na adolescência. Não perdeu as esperanças quando eu, já adulta, ia visitá-la. Eu abraçava minha vó bem forte e dizia baixinho no ouvido dela:

— Lembra que eu não gosto de café?

Foi assim até quase a véspera da morte dela. Eu cheguei a desconfiar que minha vó não prestava atenção no que eu dizia ou esquecia e precisava perguntar de novo. Será que minha vó nunca ia lembrar que eu não gosto de café?

Toda vez que alguém me oferece um cafezinho, eu me lembro dela e do café que eu nunca tomei.

E repito a ladainha do primeiro parágrafo. Já perdi as contas de quantas vezes respondi automaticamente isso. Ultimamente, pra não ficar tão chata, aprendi a tomar chá.

Dia desses, uma amiga fez um café especial e me ofereceu. Nem preciso dizer que despejei minhas frases feitas e um chá na xícara. Quando dei o último gole, acordei.

A primeira vez que eu experimentei café foi aos seis anos de idade. Foi a primeira, única e última. Como eu podia dizer tão categoricamente que não gostava de café? Pelo passado paladar de uma criança? Resolvi provar o sabor da minha verdade absoluta. Um gole de café quente 40 anos depois. Eu digo agora: eu não sei se eu não gosto de café. Quero experimentar mais vezes pra dizer se hoje eu gosto ou não.

Tomei a xícara de café e fui revisitar todas as certezas que venho repetindo há anos sem pensar. Sábia era minha vó, que me perguntava de quando em vez se eu aceitava um cafezinho.

— Me espera pra tomar um café, vó?


*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto, escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.

One thought on “Um café quente 40 anos depois

  1. No próximo sábado, é aniversário de vida e morte da minha vó. Ela morreu aos 90 anos no mesmo dia que nasceu – 16 de fevereiro. Esse texto eu escrevi há quatro meses e hoje publico em homenagem a ela, dona Lolinha.
    Onde você estiver, vó, gostaria que soubesse que eu descobri que gosto muito de café. Dos bem encorpados, fortes e amargos. Sem açúcar. Já tive insônia por isso. Mas a cada gole eu lembro de você, de tudo que me ensinou e sinto sua presença dentro de mim. Obrigada!

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