(Não) pode chorar

Foto: Arquivo pessoal

*Renata Varandas

Uma vez, indo pro balé, devia ter uns 6 anos, tropecei e caí. Ralei o joelho e voltei chorando para casa. Minha mãe ficou brava. Falou que eu era forte e não podia chorar. No dia seguinte, tropecei exatamente no mesmo lugar. Ralei o joelho já ralado. Levantei, disfarçando as lágrimas e segui pra aula de balé sem nunca contar pra minha mãe.

Anos depois, adolescente, meu primeiro namorado, o Pedro, terminou o namoro comigo. Foi outra queda. Voltei pra casa chorando a dor do primeiro (de muitos) corações partidos. Minha mãe ficou brava comigo de novo. Me proibiu de chorar por qualquer namorado. Mulheres fortes não choram.

E fui assim. A vida inteira. Policio minhas lágrimas. Tenho vergonha de chorar. Na terapia, só chorei duas vezes. Me faz frágil. E eu sou forte.

Esses dias cheguei em casa, sentei no sofá, me certifiquei que, de fato, estavam só os cachorros comigo e chorei.

Solucei. Desabei. Chorei até o peito doer sem fôlego, até ficar com dó de mim, como diria Cauby. Ainda não sei bem o que representava aquele choro, além de alívio.

Quando não tinha mais lágrimas, olhei o espelho e me assustei: vi ali, naquele reflexo, uma mulher frágil, sensível, cheia de inseguranças e medos. Será que aquela mulher-forte que eu deveria ser derreteu junto com as minhas lágrimas? Olhei mais de perto e enxerguei essa mulher-forte quietinha, lá no fundo de mim, exausta por ter sido demandada durante uma vida inteira.

Resolvi dar férias pra ela: “pode ir, mulher-forte. Depois de 36 anos de trabalho intenso, tire um sabático porque você merece. Se eu precisar, chamo”. Ela foi. Não tem data pra voltar.

Agora, restou aqui só a mulher-normal. Aquela que às vezes ri, às vezes chora, que tem atitudes maduras e ímpetos de menina, que é corajosa quando precisa e medrosa quando não tem necessidade.

A mulher-forte se foi. Ao invés de chorar a ausência dela, vou curtir a mulher-normal. Chorarei em paz. Farei declarações bobas de amor. Cometerei sincericídios. Cairei. Machucarei joelhos e coração. Mas me recuperarei. E quando a mulher-forte voltar, preciso libertá-la pra sempre. Vou dizer baixinho: “Renata, mulheres-fortes choram sim. Pode chorar”.

*Renata Varanda é jornalista e descobriu que nem todo cuidado é amor.

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