Da Europa para o Brasil, do Brasil para a Europa

Foto: Arquivo pessoal

*Mariana Londres

Sou fruto do casamento de uma família muito pobre com uma família muito rica. Em dado momento do tempo, dois de seus descendentes se encontraram em uma rua de Botafogo. Eram vizinhos. Meus pais.

Mas antes deles, as trajetórias das famílias se cruzaram, em situações completamente distintas. O ano era 1910. Do Rio de Janeiro, partia o navio König Wilhelm que levava a minha bisavó materna, Laura, aos 16 anos, para conhecer a Europa. Imagino algo como Kate Winslet jantando no Titanic.

Ela era, certamente, uma privilegiada. Seu pai enriqueceu como empresário na virada do século.

Mudou-se com a família para um palacete na Avenida Paulista. No ano do noivado da filha mais velha, levou a família toda para a Europa de navio.

No meio do Oceano Atlântico, König Wilhelm cruzava com um dos navios que traziam os milhares de migrantes espanhóis para o Brasil, sem luxo nenhum. Entre eles, o meu bisavô paterno, Eugênio.

Imagino Leonardo DiCaprio ganhando um bilhete da segunda classe e embarcando para qualquer lugar que fosse. Aos 18 anos, Eugênio fugia da fome na Galícia, em uma Espanha ainda não industrializada.

Na Paris que Laura conhecia pela primeira vez, Europa antes das guerras, a Champs-Elyseés era a rua obrigatória. A pavimentação ainda era de madeira, e os veículos, a cavalo. Leitora voraz, Laura acompanhava todo o movimento cultural europeu pela revista L’Illustration, que recebia em São Paulo. Não preciso dizer que se encantou com a cidade luz.

Já Eugênio, tinha estudado pouco. Mas sobrava disposição para o trabalho. Ao desembarcar se formou motorneiro no Pará. Anos depois, se juntou à comunidade espanhola em São Paulo. Casou-se com uma galega, teve filhos que posteriormente também casaram com descendentes de galegos, com histórias parecidas.

Até que esses dois universos começaram a se aproximar, graças aos estudos dos espanhóis, tentando sempre melhorar de vida. E, cinquenta anos depois, na década de1960, meus pais se tornaram vizinhos em um bairro de classe média-alta. Se casaram e, como a maior parte das famílias brasileiras, misturaram os proletários com os aristocratas. A elite com os trabalhadores. Que somos todos nós.

*Mariana Londres Pinha escreve desde criança como terapia. Nunca pensou em publicar nada pessoal, até encontrar uma editora insistente e apaixonada. Além de textos, produz relações de longo prazo e é especialista em administrar distâncias e saudades.

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