Masculinidade tóxica mata
*Paulo Mondengo
Sou o caçula entre nove filhos. Cinco homens e quatro mulheres. Tive uma infância simples na periferia de Brasília. Lá pelos nove anos de idade meu irmão mais velho me chamou e disse:
– Quero ver se você é homem mesmo. Endurece a barriga!
Levei o primeiro soco no estômago.
– Endurece a barriga!
Levei o segundo soco no estômago.
– Endurece a barriga!!!
Levei o terceiro soco no estômago e chorei.
Então, ele concluiu:
– Vou te colocar nas aulas de karatê, você precisa ser forte e aprender a se defender.
As aulas não duraram duas semanas. Não suportei os gritos do professor e a ideia de ter que bater em outra pessoa. Até hoje não sei socar nada nem ninguém.
Vinte anos separam eu e meu irmão de faixa etária. Nossas experiências foram construídas em épocas e ambientes diferentes. Mas temos algo em comum com a maioria dos homens. Somos vítimas da construção social de que precisamos provar que somos homens. E quase sempre isso é feito por meio de violência que resulta em masculinidade tóxica.
A ideia de ter que resolver tudo com agressividade é natural entre nós. Crescemos liberando impulsos violentos em resposta à vida. E quando não conseguimos batemos no irmão, agredimos o colega, matamos a namorada que disse não, atiramos no cara que nos fechou no trânsito. Até que um dia invadimos uma escola e atiramos em pessoas.
Meu irmão e eu não chegamos a extremos, mas já ouvimos histórias semelhantes. No último sábado nos encontramos num almoço de família e ele me disse:
– Eu sempre te respeitei. Só não sabia como expressar isso! Conte comigo sempre.
Ele me abraçou e beijou minha cabeça. Nunca o tinha visto tão humano e sensível. Hoje ele tem 56 anos e eu 36. Demorou para entender que masculinidade tóxica pode tirar a convivência, a possibilidade de sorrisos, conversas e afeto. Pode tirar vidas.
Na verdade ser homem é sentir, sofrer, chorar, sorrir e não ter vergonha disso. Porque ser assim me permite enxergar o outro com empatia. Hoje não preciso provar nada para ninguém. Porque ser alguma coisa é uma questão apenas de ser. Se tiver que provar, você não é.
*Paulo Mondego é jornalista, escorpiano na essência, amante da samba, Maria Bethânia e sorvete de chocolate. Aprendeu que existir é um ato de coragem.