Materna-idade


Isabele Vitor e Yago Guerra, filhos de Gabriela Alves (Foto: Arquivo pessoal)

*Sandra Araújo

Nunca tive uma visão cor-de-rosa da maternidade e sempre soube de tudo o que estava em volta da decisão de ter filhos. Mesmo assim, fiz minha opção. E não me arrependo. Além do desafio de gestar, cuidar e educar outro ser, amarguei algumas perdas.

Uma delas foi a de amigas que fizeram outra opção e não aguentaram aquele papo sobre amamentação, fraldas e pediatras. Houve as que me chamaram de anti-social! Como doeu! Mas, como ser sociável quando se tem um ser que precisa de você e dos seus seios 24 horas por dia?

Contudo, a experiência de entrega é tão compensadora, que só pode ser explicada pela mística. Ninguém conseguirá explicar racionalmente o que faz uma mulher passar horas acordada, reconhecendo o significado de cada choro, esquecendo-se de si mesma. E essa foi outra perda que deixou um “travo meio amargo”: a de mim mesma.

Por algum tempo, substitui os filmes do Lars Von Trier pelo Cocoricó. Jantares românticos foram interrompidos por um choro que cortava a noite. Substituí os teóricos da literatura por Michel Odent (o médico que redescobriu o parto natural). Aí, tive de amargar os comentários: “Você está louca de ter parto normal?”, “Não inventa que você não é índia pra parir sem anestesia!”

Foi quando descobri que a maternidade mexe não só com a mulher, mexe com todos que estão a sua volta. Como é difícil resgatar algo tão feminino em uma sociedade que transformou o ato de nascer em indústria! Resisti bravamente à indústria das cesáreas.

A maternidade é um reencontro – com as sombras e com a luz. Passei a rever as relações de filha, irmã, esposa, profissional.

Tudo ganhou um novo significado, porque uma mãe é dupla – pensa por si, mas também pensa no outro. E o feminino tem algo de maravilhoso, porque promove uma certa identificação entre as mulheres.

Então passei a estabelecer novas relações. Encontrei mulheres que também se sentiam como eu e tratei de segurar esses presentes do universo. Depois, fui resgatando as amizades antigas e tentando provar a elas que eu não estava anulada.

Não acredito que a experiência possa ser vivida exclusivamente pela via biológica. Uma mulher que queira ser mãe pode vivenciar tudo isso também pela adoção, desde que se entregue à decisão e permita a si mesma amar outro ser. Essa é a questão da maternidade: amar!

*Sandra Araújo é poetisa, autora do livro Casa de Vento. Ela abre diariamente a janela para deixar o vento entrar.


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