Sobre ser demais

*Letícia Araújo

Desde pequena eu ouço que tudo que é demais sobra. Nunca entendi essa frase. Como que pode o amor ser demais ou sobrar? Amizade ser demais? Carinho ser demais?

Quando entrei na adolescência, ouvia: “Cuidado, mulher que se entrega demais vira fantoche na mão de homem. Cuidado! Não use roupa curta demais, colada demais… mas também não se cubra demais. Não fale demais, homem não gosta, mas não seja calada demais”. E homem gosta de quê?

Os anos passaram. A vida adulta chegou. “Ei, Letícia, não seja independente demais. Não sambe demais, não dance demais, não sorria demais. Cuidado. Todos vão achar que você está paquerando.”

“NÃO SEJA FELIZ DEMAIS, as pessoas invejam. Não tenha amigos demais, não fale demais da sua vida. Não se abra demais. NÃO SE ENTREGUE DEMAIS.”

Hoje, com os pés nos 30 anos, eu refutei todos esses mandamentos estruturais do patriarcado e abracei tudo o que sinto. Eu sou simpática demais sim. Não importa se vocês acham que um sorriso e um abraço apertado é flerte, quando eu sinto carinho e simpatia por alguém eu demonstro.

Eu amo ter curvas demais, são elas que me dão molejo pra sambar demais. Eu sinto demais, tristeza, amor, saudade, vontade. Não é vício na intensidade, é não temer ser muito. Sorrir DEMAIS é minha essência. Eu durmo e acordo de bom humor. E isso faz bem pra mim e os que me circundam.

Se fôssemos cada dia mais, mais de nós e de cada um, no potencial positivo do sentir, não seriam necessárias palavras, brigas, resistência ou medo. Afinal seríamos demais pro mundo e nos permitiríamos fluir.

E sinto muito se você não entende que amar demais e se entregar demais fazem parte de ser. Sinto muito se o meu demais te assusta. Ser mulher demais, me amar demais e aceitar tudo o que é bom pra se oferecer e receber não é excesso, não é sobra, é saber doar de mim e receber de você o que nos transforma, fortalece e integra.

*Letícia Araújo é visceral, forte e resiliente. Reúne tudo que escreve e faz sentido no https://oqnaofazsentido.tumblr.com/