De pai para filha


Foto: Depositphotos

*Juliana Dourado

O dia a dia no hospital é sempre inusitado. Passos largos nos corredores, olhares atentos e a mente sempre alerta. Modo de fuga. Parada. Libera a dieta. Coloca em jejum. Punção. Curativo. Cadê o exame? E a alta? Prescrição. Escala. Reza. Chora. Sorri… nem tão de Grey’s Anatomy assim.

O adoecer costuma retirar toda e qualquer máscara. O paciente costuma se mostrar como é. O ranzinza, o assustado, o gente boa… as personas costumam ser exacerbadas. A família, que adoece com ele, também. Em geral os familiares dão mais trabalho do que os pacientes.

O hospital é uma grande escola da humanidade. Ali aprendemos sobre a essência do ser humano. Já passei por vários hospitais, setores e equipes. Atualmente tem sido complicado porque estou no hospital aonde o meu pai faleceu. Passar pelo leito em que ele ficou todo os dias tem sido bastante duro e incômodo.

Hoje fui visitar um paciente pela segunda vez. Rotina, visita de “médico”, sabe? Ele estava companhado por seu irmão, um senhor que deve ter seus 60 anos. Me apresentei, fui checar a prescrição e outras coisas. O paciente, que quase não consegue falar, me avisa que, se precisar, devo falar com o acompanhante. Passei as informações necessárias.

Ele me olha e diz: “Minha filha é nutricionista também, você deve ser da idade dela”. Eu sorri e respondi que sou enfermeira, mas sempre confundem porque trabalho com Nutrição. Então ele me disse o nome dela.

Trabalhávamos juntas, ela sempre gentil e delicada, muito educada. Bonita e sempre sorridente. Um dia ela decidiu que não queria mais ficar nesse mundo… Ainda tenho a última mensagem enviada por ela no meu celular.

Senti um arrepio. Não consegui conter minha expressão.

Conheci sua filha, ela era muito querida.

Foram as palavras que consegui dizer quase sussurradas. Então ele com os olhos marejados me abraçou como se eu fosse a sua filha. E eu o abracei como meu pai.

*Juliana Dourado é mãe e escritora que ainda tem os livros que vai publicar guardados nas ideias.

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