Quero colo

Foto: Arquivo pessoal

Eu já nem me lembrava direito da última vez que tinha pedido colo pra minha mãe. Por curiosidade, fui fazer as contas e lá se iam 15 anos sem pedir ajuda, desde que estava grávida. Eu havia esquecido como era quente esse colo. E depois de tanto tempo ouvindo minha filha gritar:

Mãeee!

Parecia que eu tinha apagado da memória o fato de que eu também era filha e ainda podia acionar a palavra mágica que faz machucado parar de arder:

Mãeeeeeeeee!

O grito saiu quase sufocado, mas saiu.

Mãe, eu preciso de você.

A confissão era tão inusitada que ela deixou as panelas no fogo e veio. Veio feito trovão. Fez 500 quilômetros em quatro horas. Mãe bate recorde de velocidade quando ouve esse chamado.

Chegou esbaforida, logo explicando que eu só podia estar pedindo socorro porque estava fraca demais. Trouxe na bagagem doce de leite, queijo de trança, compota de pequi e polvilho para um mês de pão de queijo.

Está triste assim por culpa dessas dietas malucas que você faz, minha filha. Não come nada gostoso.

Eu me entreguei à comilança sem resistência. E pedi mais.

Mãe, faz muita cobertura de chocolate com bolo de cenoura por baixo?

Sabor da infância tem poder antidepressivo. Comia, tomava chá de alecrim dourado e deitava naquele colo. O melhor colo do mundo.

E só aí eu percebi como eu fugi desse colo pra me fazer de forte. Porque mulheres guerreiras não pedem colo, muito menos pra mãe com quem ela sempre brigou. Leiam e apaguem essa última frase, não faz mais sentido pra mim. Vou refazer:

Mulheres fortes se rendem às mães para se fazerem mais fortes e estarem abastecidas para outras lutas.

O inimigo a ser combatido não é a mãe. Mãe está do mesmo lado da trincheira. Por que demorei a perceber isso? Será que ainda dá tempo de viver o que eu perdi? O que eu perdi, não sei. Mas o presente eu posso aproveitar, dando a ela meu tempo, verdadeiramente presente.

Gritei por socorro há pouco mais de um ano. Logo depois, minha mãe precisou fazer uma simples cirurgia de catarata e eu lembro de ter entrado em pânico. Nada podia acontecer a ela, não agora que eu havia redescoberto um colo vazio. Como no parto, foi por meio da dor que minha mãe renasceu pra mim.


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