Não deixe ele entrar
*César Raizer
Não deixe ele entrar. Não ainda. É visível que ele gosta de você. Eu também gostava. Gostava das tardes preguiçosas de domingo e de te ver adormecendo em meu peito. Gostava de como você penteava o cabelo após sair do banho e da sua admiração por MPB e samba de raiz. Gostava de receber suas ligações à noite, de programar o próximo encontro e de te contar como foi meu dia.
Eu nunca gostei das nossas despedidas. Não soube lidar com a dor do adeus e decidi dar um ponto final. Precipitado, impulsivo e impensado. As ações trouxeram consequências. Seguimos nossos caminhos e nos doamos a outras pessoas. Nos machucamos na caminhada mas viramos a página. Uma, duas, três, quatro… Tantas histórias cruzaram com as nossas. E o destino arteiro se encarregou de nos aproximar novamente.
Ainda não tivemos tempo suficiente. Não pude te falar que comecei a beber café. Que fui promovido no emprego. Que terminei de ler o livro que você me deu. Enquanto eu ansiava por uma oportunidade de falar sobre assuntos cotidianos, já havia alguém querendo entrar.
Pelas fotos publicadas nas redes sociais, o pé já está na porta. Ele já arrumou um fiador, fez o primeiro depósito e aguarda a elaboração do contrato. A mudança já está sendo providenciada.
Por hora, te peço que não feche o negócio. Ainda tem muita coisa minha aí dentro e tenho que pôr a casa em ordem. Sem autorização, peguei algumas manias e costumes seus que devo ressarcir.
Quebrei algumas promessas que precisam ser reparadas. Meus mecanismos de defesa ficaram espalhados pelo chão depois que você me desarmou. Necessito deles de volta. Antes de assinar o contrato final, não deixe ele entrar. Preciso te encontrar para devolver as chaves.
*César Raizer é formado em Direito e Jornalismo. Caboclo amazonense. Brasiliense por opção. Sagitariano nato. Viajante, guloso e ansioso. Apaixonado por pessoas, televisão e chocolate.