Quando perdemos a virgindade

Foto: Depositphotos

No consultório médico, um casal chega. A mulher se queixa que esqueceu o celular e o marido oferece o dele. Ela recusa, mas ele insiste: “Vou sair agora para resolver coisas na rua e nem me lembrarei de telefone. Já você precisará dele, para se distrair enquanto espera a consulta”. Brinco com os dois: “Isso é que é prova de amor, abrir mão do celular para dar à esposa”.

Sempre nos encontramos na clínica e observo o carinho com que ele trata a mulher. Seu nome é Ana. É professora, tem 55 anos e está casada há 35. Em 2017, ela descobriu um câncer no seio esquerdo e precisou retirar toda a mama. Desde então, controla a evolução da doença.

Atenta à conversa, outra paciente que aguardava na recepção pergunta à Ana como o marido reagiu ao tratamento. Assim como ela, a moça também tinha câncer de mama e evitava o companheiro, por acreditar que ele iria rejeitá-la. “Não faça isso. Se tem uma coisa que precisamos aprender, saudáveis ou não, é a receber afeto e delicadeza”, aconselhou Ana.

Ela sabia do que estava falando. Traumatizada com a cicatriz da cirurgia, não deixava mais o marido vê-la nua. Até que um dia ele insistiu e ela cedeu. Ao olhar as marcas no seio da esposa, tocou-as delicadamente. Ana perguntou o que ele achava. “É o lugar mais lindo do seu corpo. Aqui bate o seu coração. E onde está o seu coração, também está o meu”, respondeu ele.

Ana disse que foi como se tivesse perdido a virgindade naquele momento. Faz sentido. Diferente do que pensamos, a perda da virgindade não ocorre na primeira vez em que fazemos sexo, mas quando encontramos alguém que toca nossas feridas e esperanças de forma tão gentil e profunda, que penetra não apenas nosso corpo, mas nossa alma.

“Eu estendi meus sonhos sob os teus pés. Caminha suavemente, pois caminhas sobre os meus sonhos”, escreveu o poeta William Butler Yeats. Uma bela metáfora para falar do momento em que nos abrimos ao outro e ele, com ternura, acessa o que temos de mais precioso. A metáfora vivida por Ana, seu marido e por todos aqueles seguem com passos suaves a trilha do amor.

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