Foi por medo de avião

Foto: Arquivo pessoal

Meu medo de voar chegou de repente, após um incidente de queda livre em pleno Atlântico. Um vácuo que durou segundos. Nada demais perto de relatos que já ouvi de máscaras de oxigênio caindo e malas despencando em meio à forte turbulência.

Mas foi o suficiente pra não me deixar mais dormir pesado em altitude e só relaxar quando o avião voa em céu de brigadeiro. Qualquer turbulência faz meu coração disparar. Com a bateria da Mangueira dentro do peito vem o medo de enfartar ou de ficar sem ar (em pleno ar).

O auge do pânico de voar foi quando eu estava indo para a Europa pela segunda vez, dessa vez sozinha, aos 19 anos. Toda a insegurança de viajar por três meses solo foi canalizada ao medo de voar.
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Como a energia dos medrosos atrai turbulências, o céu fechou completamente na hora da decolagem. Sabe chuva de verão? Então. O céu estava preto e perguntei a aeromoça se decolaríamos nessas condições. “Depende da torre”, ela disse. A essa hora já chovia forte. Aguardamos o fim da tempestade e decolamos.

Não preciso dizer que chacoalhou muito. O avião subia e descia de forma constante. Peguei na mão do passageiro do lado. Um senhor executivo com idade para ser meu pai. Já tínhamos trocado algumas palavras e ele não falava português. Só inglês.

Segurei firme na mão dele e não deixei ele soltar. Apertava forte a cada solavanco. Só depois de quase cinco minutos lembrei de perguntar:

– Can I hold your hand?

Ele não tinha como discordar, assentiu com a cabeça. O voo foi melhorando e passamos a conversar. Contei do meu pânico de voar (nem precisava), falei da viagem que faria. Ele disse que era diplomata inglês na Argentina. Falou que não tinha medo em altitude, contou do trabalho. 
Só soltei a mão dele um pouco antes do pouso. Deixamos a aeronave e ele saiu apressado pelo aeroporto.

Não sei o seu nome e morreria de vergonha de encontrá-lo de novo. Mas adoraria poder agradecer pela mão em pleno voo. E acredito estar praticamente curada. O inglês foi o meu único. Nunca mais peguei na mão de estranhos em turbulências. Mas só os estranhos são poupados.

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