Mergulhos da vida
*Heloisa Oliveira
Quando podemos imaginar que uma coisa que sempre fizemos poderia ter um poder tão transformador em uma determinada fase da vida? Era uma menina muito tímida, envergonhada até de falar com as pessoas. Meu pai era um homem esportivo e mergulhava. Desde os seis anos, eu o acompanhava em suas incursões.
A princípio ficava nas pedras esperando, vendo-o subir e descer nas ondulações do mar, aquilo me acalmava e ficava muitas vezes na expectativa de onde estaria quando ele demorava muito a surgir na superfície. Cheio de orgulho, me ensinou a mergulhar. Adorava ficar imersa e “brincar” com os peixes.
O tempo foi passando e eu apenas cuidava dele em seus mergulhos. Sem que percebesse, o observava. Afinal, envelhecia o velho lobo do mar e eu me sentia a própria sereia a guardá-lo.
A esta altura da vida, já terminara a faculdade de medicina, os ciclos da vida me levaram a sair do Rio e morar em Belo Horizonte. Passei alguns anos sem mergulhar. Quando retorno ao Rio, aos 28 anos, volto a trazer aquele talento subaquático e faço um curso de mergulho autônomo. Amei o novo desvendar das águas, ficar naquele silêncio observando!
Fiz o curso de Medicina Hiperbárica na Marinha e me tornei instrutora de mergulho. Ainda tímida, comecei a dar aulas. Conduzir pessoas ao “meu mundo silencioso”, como diria Jacques Cousteau, me trouxe grande aprendizado e prazer. Passei a perceber como é estar sem os sentidos básicos, já que sob as águas todos ficam alterados, e senti despertar uma sensibilidade interior crescente. Mergulhando profundamente nas águas do meu próprio ser e ainda cuidando do outro nesse mundo submarino.
Pelo estudo biográfico, aos 28 anos, temos a crise dos talentos. Aptidões e talentos da infância e adolescência podem ser resgatados e transformados. Vejo o mergulho bem nessa situação em minha vida. O que era um prazer infantil se transformou num processo de autodesenvolvimento. O mergulhar adquire uma nova dimensão, o mergulhar na alma.
Vinte oito anos é um marco de apropriação de nossas vidas e na minha foi bem marcada. O começar de nova vida e o retorno às minhas águas mais profundas. Toca profundamente meu coração observar e vivenciar os ciclos da vida! A nossa biografia como caminho de autoconhecimento.
*Heloisa Oliveira é médica com formação em medicina antroposófica, aconselhadora biográfica, sócia do Ciclos da Vida Trabalhos Biográficos, coordenadora da TRINUS Formação Biográfica do Rio de Janeiro. Atende em seu consultório no Rio de Janeiro.