Cicatriz que se esconde
*Mariana Jungmann
Sempre me orgulhei de ter uma excelente cicatrização. Minhas poucas marcas de infância são quase imperceptíveis, muito claras e discretas. Até o período da vida, já adulta, em que desenvolvi alopécia areata. Uma doença autoimune que faz o cabelo cair, abrindo falhas que começam pequenas e vão crescendo redondas, como uma moeda no couro cabeludo.
A primeira falha aconteceu há quase dez anos, perto da nuca. Não dei muita atenção inicialmente e quando me dei conta, ela já estava quase do tamanho da palma da mão. Procurei um dermatologista, recebi o diagnóstico, comecei a tratar. Custou para o cabelo nascer novamente, muitos meses de angústia, medo de o problema se agravar, ficar careca.
Pedia ao marido para fotografar o local quase todos os dias. Meu médico alertou que o estresse desencadeava o problema e eu percebi que aquele estado de espírito não ia ajudar. O cabelo nasceu, o buraco fechou, vida que segue.
Algum tempo depois, um novo e grande buraco no meio da cabeça, escondido entre as madeixas. O sinal de alerta subiu. Me lembrei do conselho de uma amiga que tem o mesmo problema: “Acolha sua alopécia. Ela é um alerta de que algo não vai bem dentro de você”.
Me questionei o que me angustiava, fui para a terapia e fiz tratamento com ozônio no local. Dessa vez o cabelo cresceu muito mais rápido e mais facilmente. No entanto, um cabelo completamente diferente.
Hoje, no meio das minhas mechas aneladas, possuo uma inteiramente crespa. É um cabelo rebelde, grosso, que me deixa o couro cabeludo dolorido, porque quer nascer pra cima, enquanto é empurrado pra baixo pelo restante do cabelo que pesa sobre ele. Minha cicatriz mais severa, me lembrando que quando as coisas não vão bem por dentro, as marcas aparecem do lado de fora.
*Mariana Jungmann é repórter de política, com mais de dez anos de cobertura no Congresso Nacional. Adora uma psicologia de almanaque e frequentemente acerta nas análises sobre pessoas e comportamentos.