Solta o som!
*Agnes Melo
Desde muito cedo entendi a música não só como uma forma de arte, mas como um instrumento de inserção social. Minha primeira lembrança é de uma eletrola portátil tocando um disco rosa com a história da Branca de Neve. A segunda lembrança é do meu pai ouvindo Nat King Cole e Raul Seixas naquelas vitrolas em que os LPs ou discos compactos vão caindo uma a um.
Na minha casa houve muitas festas animadas ao som daquela velha eletrola. O toca-discos 2 em 1 me acompanhou até a adolescência. Foi nele que ouvi pela primeira vez, em Ondas Médias, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, com a jovem Paula Toller nos vocais.
No início dos anos 80, dividia minha preferência por rock e new wave com músicas de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso que tinham como pano de fundo críticas à ditadura militar. Na periferia de Brasília, onde moro até hoje, mal se ouvia falar de golpe militar. A meta dos nossos pais era garantir o pão de cada dia.
Foi somente pela música e pela leitura que tive a real dimensão do que acontecera no país entre os anos 70 e 80. E foi por causa de “Apesar de Você” e “Feijoada Completa” que fui para as ruas gritar pelas Diretas Já.
Paralelamente, tive meu único namoro da vida com trilha sonora de nomes como Lionel Richie, George Benson, Marvin Gaye, Carly Simon, e Rick James & Smokey Robison com a inesquecível Ebony Eyes. No melhor estilo “tudo ao mesmo tempo agora”, ainda acompanhei o nascimento da axé music no final dos anos 80 e do pagode dos anos 90.
Para muito além do entretenimento, a música é aquela palavra que você não tem coragem de dizer. É fuga, romance, protesto, saudade. Para quem ama a música não existe solidão. E tem letra para todo sentimento. Você se alegra, dança na varanda, na sala do apartamento, cai na fossa, renasce das cinzas, lembra dos entes queridos e de amigos, tudo num só dia.
Então, solta o som! Solta os bichos!
*Agnes Melo, jornalista, alma livre, 53 anos.