Uma “autocrônica” em tempos de pandemia
Uma pandemia gera crises e expõe as verdades escondidas. O mundo instagramado de nossos tempos pode estar prestes a ruir – pelo menos, do jeito que estamos acostumados. Fomos obrigados a lidar conosco mesmos. Estamos prestes a virar conteúdos sem filtros.
Tenho passado praticamente todo o tempo da quarentena sozinho. Morar sozinho nunca foi um problema para mim. Nunca fui forçado a estar sozinho, com a quarentena é diferente, meu companheiro de viagem sou eu mesmo.
É inevitável se questionar, mudar as prioridades, olhar tudo que é seu de modo diferente. Por exemplo, abrir para o guarda-roupa e se perguntar se tudo aquilo ali mesmo é necessário. Claro que não é! O que sinto falta é mais simples e está do lado de fora. Um sorvete sem pressa, ir à praia, tomar um chope numa das tantas calçadas do Rio de Janeiro, correr ao nascer do sol. “Just thing and bees and flowers”.
Tem dias mais difíceis, sempre tem… Eu tenho feito home office, a vida toda se mudou para minha casa. Eu trabalho e perambulo no meu apartamento. A casa toma outro sentido, eu vou mudar algumas coisas por aqui, vou pintar, me desfazer das que não me servem mais e deixar o espaço livre – para receber coisas novas, ou não.
A solidão e a necessidade me tornaram mais atento ao que realmente importa.
Com algumas coisas, fiquei mais zeloso, com outras, há um filosófico desleixo. Pensei em pessoas, nas que são para todos os tempos, naquelas que foram por algum tempo.
Lembrei de dores, tive medo, chorei, refiz a postura. A vida é depuração constante, ficar em nossos mosteiros particulares nos dá a chance de aprofundar este processo, que é muito pessoal, sem uniformidade e sem planejamento.
Neste momento, há gente olhando para seus pares de jornada e se perguntando o motivo de insistir em relações, há gente renovando seus pactos de amor. Há aqueles que estão descobrindo novos talentos, há quem está desesperado por uma nova chance. Há os que choram suas perdas enquanto outros celebram novos encontros.
Eu estou querendo saber como serei melhor comigo mesmo, com os que amo. Tudo que eu sentir, falar e escrever será parte da crônica de um tempo peculiar. O tempo em que decidi que a minha jornada será mais leve.
*@alexonfer é carioca, engenheiro, pai de uma adolescente, corredor amador, que não vive sem música, livros e um bom banho de mar. Autor dos textos do @retratosescritos.