A paciência da semente

Miryan Lucy Rezende escreve sobre paciência na pandemia
Foto: Arquivo pessoal

*Miryan Lucy Rezende

Do meio da pandemia, no fundo do quarto em quarentena, o sol de outono bate multicolorido na janela do amor. Indiferentes à distância que propaga os dias e os enfilera, ele, o sol, e seu outono, só querem brilhar. Não lhes compete saber sobre o futuro. Ninguém também haverá de lhes cobrar nada além do brilho.

Os braços reinsaiam o aprendizado do abraço.

Os olhos procuram manter a visão dada agora apenas pela lembrança. A boca reinventa beijos, e o corpo precisa estar atento ao tempo, para não se curvar aos repetitivos movimentos. Muitos lá fora tentam normatizar o inesperado, o oculto, o invisível.

Outros, como eu, sabem que é outono, que as cores continuam tingindo lindamente os instantes com seus surpreendentes matizes, e que apreender a espera é aprender a paciência da semente, que sabe que a terra, mais cedo ou mais tarde, há de lhe fazer justiça, fazendo com que cresça em folhas para todo o mistério do sol da chuva do vento.

Também penso que a quarentena possa ser essa terra a nos fazer sementes. Germinaremos, se soubermos guardar o poder da vida que há por dentro. Ou seremos confinados para sempre.

Prefiro ensaiar os novos gestos, palavras e silêncios. Prefiro deixar os braços anteciparem todos os abraços que virão. E acreditar que o amor será servido como café recém-coado. E que estarão sobre a mesa todas as iguarias, esperando por nós sobre a toalha do amanhã.


*@mlrezende51

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