Amor engarrafado
*Mariana Londres
Na correria ao sair, tive que improvisar e pedi à minha mãe um vinho que eu pudesse levar de presente em uma festa de despedida.
Ela me entregou um Tokaji 1988 junto com uma recomendação clara: “Explique a ele que é um vinho de sobremesa, doce, tem que saber tomar.” (Mães têm um sexto sentido).
Levei a doçura engarrafada à festa, para que o futuro dono levasse a São Paulo, onde começaria uma nova vida. E, com sorte, lembrasse de mim ao abrir a garrafa.
Não imaginei que a despedida era, na verdade, um encontro. O dono da garrafa não levou apenas os 500 ml da “raridade absoluta” – como o Tokaji Aszú Eszencia é descrito na internet – até a maior cidade da América Latina. Levou a mim também, seis meses depois.
Guardamos o Tokaji 1988, nosso primeiro bem comum, com toda a paciência de quem cultiva o amor de todos os dias. Esperando o vinho maturar, chegar ao seu ápice, para ser aberto.
O tempo foi passando e nunca tivemos coragem de abrir a garrafa, para não quebrar o encanto. A iguaria húngara, afinal, tinha nos unido.
Passados exatos vinte anos da despedida/encontro mantemos as dúvidas. Beber o Tokaji e correr o risco de ter uma decepção? Beber e trocar por outro vinho vinte anos mais jovem para abrir no futuro? Guardar para as bodas de prata? Ou nunca beber?
*@marianalondres escreve às terças-feiras, a cada duas semanas. É uma das organizadoras do Podcast Vida de Adulto.