Confiança de primavera

*Taciana Collet

Não chega a ser feia. Mas essa árvore nua passaria indiferente ao meu olhar encantado pelo belo pronto. Um olhar que sai à procura do unânime, se é que existe unanimidade quando se trata de beleza. Demorei a entender que, muitas vezes, o bonito aparece num inesperado instante simplesmente porque já está terminado, encerrou um movimento.

Mas quase ninguém para pra ver o processo, o que vem antes. Eu, pelo menos, não parava. Mas no dia desta foto, ao me aproximar do indiferente quase feio, consegui ver o vir-a-ser, enxerguei pequenos brotos que despontavam nos galhos e apontavam uma beleza escondida prestes a explodir.

É primavera, eu sei, e talvez o esperado fosse mostrar essa árvore florida.

Porque ela vai florir, aliás, ela já floriu, anunciando no inverno do cerrado a proximidade da nova estação. Essa árvore que, no dia da foto, ninguém atenção prestava é um ipê cuja beleza dormia. Uma semana depois, acordou explodindo amarelo. Convido você a imaginar…

Porque hoje eu queria reverenciar a força de cada galho seco. Porque observar essa árvore despida me fez ver cada folha minha que teve que murchar, se desprender e partir. Olhei pro quão seca precisei ficar pra começar a florescer. Lembrei das flores de plástico que grudei em mim pra que ninguém percebesse meu desfolhar. Enfeitei o que feio julgava.

Talvez a confiança e a paciência que tenho que ter estejam espelhadas nesse ipê nu. Uma confiança de primavera.

Eu simplesmente sabia que o ipê ia florir porque já vi essa mesma árvore florida antes. Confiei que esse mesmo processo ia agora se repetir. Se não soubesse que essa árvore era um ipê, será que poderia imaginar o futuro guardado dentro dela? Ou decretaria sua morte pela falta aparente de vida?

Apesar de primavera, eu me sinto sem estação, procurando a natureza das coisas em qualquer estação da vida. Não quero cultuar a beleza pronta, mais fácil aos olhos, mas a essência, a identidade por trás de tudo. O belo revelado continua me encantando, mas o que julgava feio não me assusta mais. São forças de vida, morte, vida.


*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto, escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.

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