Asas de bailarina da vida

Margareth Moraes no blog Vida de Adulto
Foto: Arquivo pessoal

*Margareth Moraes

Depois de sete meses de autoisolamento, a mente transgressora incitou a percorrer ruas e avenidas no bairro onde moro. O medo, deixei guardado no bolso da imaginação. O que era para ser uma visita rápida à pracinha próxima, virou uma aventura de duas horas. O imprevisível foi o guia do coração, quando avistei uma aglomeração na paisagem.

Saí numa aventura domingueira.

No caminho, tinha paredes de residências e edifícios revestidos com pedras, pinturas, heras verdes, e até cobogós. Na calçada, um rapaz, numa escada, arrumava a rede de telefonia. Na calçada, um pai com um carrinho de bebê, uma família que ia de mãos dadas não sei aonde.

No caminho, uma academia aberta com gente mascarada malhando. Desviei de todos. Nas ruas e nos edifícios, pessoas circulando com e sem máscaras – resistem à nova prática de cuidados e respeito para com o outro. A pandemia continua a fazer estragos nas famílias. Entre vários arranha-céus, apareceram sibipirunas, com suas flores amarelas e folhas já ressequidas no chão a formar curiosos tapetes, ploc, ploc, foi o som do tênis a pisá-los.

Sobrepostos sobre muros e ilhas das avenidas pendiam galhos, carregados de mangas, abacates. A safra promete fartura para os passarinhos urbanos. O pé de pequi resiste solitário na esquina, mas parte de seus galhos foram podados. Até um casal de arara azul deu o ar da sua graça, a bailar romance no céu azul, sem nuvens, que quase me fez ficar com torcicolo.

Como uma criança curiosa, os olhos despertaram para a vida pacata de concreto da metrópole urbana. Liberdade de passarinho!

Os mesmos cartazes de vende-se, aluga-se, continuam a poluir os postes. Um pé de pitanga se exibia todo faceiro, no jardim aberto. A vida continua a demarcar território, a exalar composições que dançam no compasso do cotidiano banal.

O coração ficou acelerado, a marcar o ritmo de um diálogo com o imprevisto. “Capim é tão fácil e simples. Ela notou porque sempre notava o que era insignificante,” diz Clarice Lispector.


*@margarethgomes14, viajante da galáxia vida. Deixo a impermanência transitar o olhar, mas também o voo livre do sonho. Se há processos e intensidades, desvende-os com o sabor da obstinação. Se há amor, doe-se ao Universo.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *