A vida é um castelo de Uno

Nathália Coelho no Blog Vida de Adulto
Foto: Arquivo pessoal

*Nathália Coelho

“Juju, cansei de jogar. Vou fazer um castelo de cartas!” Na mesma hora ela soltou um sonoro “ebaaa” e começou a rondar a minha construção.

Uma tarde inteira até conseguir fazer a torre e segundos para cair, logo depois de tirarmos a foto.

Primeiro foi o bichinho de pelúcia que ela jogou sem querer, tudo foi abaixo. Depois o vento da corrida pela casa. Em seguida, o balanço do vestido. Uma pequena sopradinha só pra contrariar.

“Ixi… desculpa, Tatá! Mas você vai conseguir!” E continuava suas próprias brincadeiras enquanto eu me esforçava – com delicadeza – para equilibrar cada cartinha.

“Essa é minha vida. Isso é a vida. Meu Deus, um ciclo infinito de empilhar cartas em vão, porque a qualquer momento elas vão desabar”. Não vinha outra coisa na cabeça.

Jujuba não precisava saber disso agora. Mas meu pensamento viajava.

  1. “Um casamento me dará segurança.” Bam… queda da primeira fileira.
  2. “Uma faculdade me dará segurança.” Poft… tombou tudo pro lado.
  3. “Um concurso me dará segurança.” Bleft… já era, começa outra vez!
  4. “Emagrecer me dará segurança.” Pow… caiu tudo, estava quase lá!
  5. “Um imóvel vai me dar segurança.” Cabum… três fileiras abaixo.
  6. “A religião me dará segurança.” fiuuu… um triscozinho derrubou tudo.
  7. “Meus pais são minha segurança.” Pow! Jujubinha, cuidado…e lá vamos nós outra vez.
  8. “Amigos me darão segurança.” pliiii… Não aguento mais, vou desistir!
  9. “Filhos serão meu porto seguro. Tibofi!

Até que… eu olhos para minhas mãos. Vou colocando devagar, tudo outra vez até conseguir e sussurrar… “Juju… julinha, vem cá! Tatá conseguiu!”

Pé ante pé, sem emitir voz ela simula um grito de alegria. Chamamos o João para tirar a foto.

Sabe onde estava segurança? Nas minhas mãos. Na minha capacidade de fazer. De continuar. De ir.

Esperar estar seguro na impermanência da vida é se enganar. Solo firme só internamente. Construções eternas, só em nossa alma.

Só das mãos para dentro, lá no fundinho onde habita a fagulha divina, o vento não vai derrubar meu castelo de unos.

“Agora que batemos a foto, vamos destruir, Tatá!?” “Vai lá, Juju!”


*Nathália Coelho é jornalista, escritora, professora e doutoranda em Literatura pela UnB. Além da escrita, ama também as plantas! É autora da página @contradigo no Instagram e do Blog A rua esquerda.

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