Arco-íris branco

Taciana Collet no Blog Vida de Adulto
Foto: Arquivo pessoal

*Taciana Collet

Ainda não sei se eles ficarão branquinhos assim. Há uma torcida organizada contra, ameaçaram abaixo-assinado na família. O fato não contestado por ninguém é que eles são parte de mim. Mas questionam, dia sim outro também, se a partir de agora vou assumir esses fios novatos e deixá-los num branco evidente no alto da cabeça. Ainda não sei, mas confesso que, a cada milímetro crescido, vou me afeiçoando mais a eles.

Não planejei essa transição. Aconteceu.

A quarentena veio e os fios brancos vieram junto. Salões fechados e eu, com toda minha habilidade manual, não arriscaria passar a tinta por cima. Eles cresceram, se multiplicaram, os salões reabriram, mas não sinto vontade nem ainda conforto de ir até lá pra pintar.

Nem tentei esconder os recém-nascidos até porque seria impossível. Fui, ao contrário, encontrando jeitos de arrumar o cabelo para que o branco aparecesse mais, deixando claro, pra mim, que, apesar da situação, é uma escolha feita neste momento.

Uma escolha, não ainda uma decisão. Posso resolver pintar tudo na semana que vem. Como posso cortar curtinho pra ficar tudo resolvido. Não quero ficar presa a nenhum modelo. Há mais de vinte anos eu não sabia qual era a cor de fato dos meus cabelos. Percebe a oportunidade? Porque ia desperdiçá-la?

Resolvi aceitar o convite que a vida me fazia. Foi nascendo outra de mim, desconhecida. Pareço mais velha do que os 47 já vividos? Sempre passei por mais nova e isso nunca foi problema. Por que seria agora? Envelhecer incomoda?

Talvez não queira voltar ao antes. Depois de tudo que passei no meu interior nessa quarentena, não faz sentido voltar ao anterior de mim.

Quero, por enquanto, deixar-me pintar pelo branco que nasce. Não encobri-lo por tintas. Ele e o preto que ainda resiste se trançam e formam a palheta de cores já experimentadas por mim.

E aqui eu me lembro de Goethe e seu deslumbramento com o arco-íris branco, um raro fenônemo meteorológico que ele entreviu e agora aparece na minha cabeça. Presságio de renovação. Envelheço colorido, com todas as cores em duas só cores. Luz e escuridão. Até que tudo vire branco, até que tudo vire luz.


*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto, escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.

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