Ancestralidade

Ivone Lopes no Blog Vida de Adulto
Foto: Inês Ferreira / Unsplash

*Ivone Lopes

— Olha só, falou com ar de curiosidade e espanto, como ele deixa ela jogando!

Era um final de tarde cinza e o tempo lá fora já estava mais frio. Os avós visitavam a neta e ela foi jogar cartas com o avô. Ele, o esposo da neta, não participava da mesa de jogo. Foi à cozinha bater um bolo para o café da tarde.

Do sofá, a avó, imersa em seu silencio, observava toda a cena.

Até então, ver a mulher, dona da casa, jogando e fazendo a alegria do avô era percebida como natural, mas quando o barulho da cozinha se fez audível e o cheiro do bolo encheu o ambiente, a cena não encontrou sentido para aquela que já viveu tanto, que seguiu regiamente todas as regras e que, como dona de casa, ficava no lugar de servir. E o pensamento lhe escapou pela voz “como ele deixa ela jogando!”.

Fiquei quieta com meus pensamentos. Quanto para nós é mais fácil. Que longo o caminho trilhado pelas nossas ancestrais. Caminho que olhamos como de submissão, mas que também tiveram conquistas do tipo que hoje nos possibilitam jogar cartas, viver um momento de encontro, de prazer. Viver momentos de receber e não somente de servir.

Sorrio. Em meu coração honro todas as mulheres que vieram antes.


*@ivone.lopes_psi, psicóloga, crocheteira e envelhescente procurando olhar para a maturidade com sentido.

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