A vida pós-pandemia
Já cantava Jobim: “É impossível ser feliz sozinho”. Por isso, nestes dias tão difíceis de pandemia, minha reflexão faz com que me coloque em dois lugares: o de quem está partindo e o de quem permanece sobrevivente.
Penso na sorte daqueles que conseguem se desprender da vida levando só gratidão.
Daqueles que aprendem a soltar o fio da esperança e se entregam. Daqueles que fazem sua travessia desapegados. Daqueles que vivem o momento presente até a última gota, sem a urgência do amanhã. Daqueles que, sabendo-se passagem, esgotam seu melhor diariamente.
Do lado de cá, confesso minha dificuldade. Sofro de apego e os dias de isolamento me proporcionam um exercício diário de desgarrar-se. Não se trata de descaso ou abandono, mas de rever o que merece ser priorizado e, especialmente, o que se deve valorizar.
Falo daquilo que é palpável, mas também do invisível, das certezas que escravizam e das diferenças que nos constroem e nos libertam. Falo do ser e do edificar. Daquelas coisinhas miúdas que esquecemos dentro de nós na correria dos dias. Daqueles encontros, às vezes apressados, mas encharcados de afeto. Falo dos abraços, dos afagos, dos cheiros, da chuva no rosto, de por os pés na areia, olhar o mar e sentir Deus tão perto que não preciso ir a lugar algum.
Falo das pessoas que, por tão pouco, deixamos partir. Falo do tempo. Falo da vida. E, de maneira especial, hoje falo da vida pós-pandemia. Espero estar lá pra continuar a caminhada. Espero seguir mais leve, mais desapressada, mais grata, mais humana. Espero ter entendimento pra saber “qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz”.
Espero ter compreendido que o que vale nessa vida é o que plantamos no caminhar do outro, ainda que ele esteja só de passagem em nossa estrada.
Espero lembrar que todo encontro é também uma despedida. E que, como cantava Renato, “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar, na verdade, não há”.
*@lucianachemim é mulher. Filha. Mãe de guri. Advogada. Professora. Feminista. Apaixonada por arte e, especialmente, pela palavra escrita como fonte de reflexão e transformação. Do eu, do outro e do planeta. Alguém que busca paridade, justiça e pluralidade. Que acredita no amor e ainda tem esperança na humanidade.