Lágrimas de beterraba
No jantar de ontem, Isis estava bastante emotiva. Com abraços e conversas ela aceitou se sentar, se acalmou e começou a comer. No prato dela tinha beterraba, um dos seus legumes favoritos, queria que eu comesse um pedaço, expliquei que eu não gosto, não consigo comer (o que é verdade, beterraba não me desce de jeito algum) e ela chorou, chorou e chorou.
Acalmou-se novamente e eu não comi forçadamente a beterraba. Como vou ensiná-la respeito pelo próprio corpo desrespeitando o meu. Ela seguiu o jantar inteiro chorando de minutos em minutos e eu segui acolhendo, porém, me respeitando. O choro não era pela beterraba e eu sabia.
No dia anterior, por um acaso passamos em frente um dos parques que ela mais gosta, gritou empolgada “está aberto mamãe, abriuuu”. Eu não havia nem reparado, paramos pra conferir. Realmente, o portão grande estava aberto, expliquei que era preciso conferir com o guarda antes de já ir pro parquinho. “Não precisa mamãe, claro que pode ir, o parquinho é para as crianças”.
Perguntei. O portão aberto foi um descuido. Ela ficou inconsolável, não tinha o que dissesse que ajudasse a passar, e eu nem tinha algo que realmente fizesse sentido pra dizer. Só chorei junto, o guarda quase entrou pro time também. Levei ela para uma pracinha, mesmo sabendo que não era a solução para a tristeza, só um acalanto.
Ontem pela manhã ela ficou quietinha na sua “caixa berço”, perguntei se estava tudo bem, me respondeu que estava triste porque o parque estava fechado, falei pra ela que tudo bem a gente ficar triste por algo e tudo bem chorar o quanto precisar.
Voltemos a beterraba. Não era a beterraba, não era eu não comer a beterraba. Era a dor de não poder ocupar espaços, era a dor de não poder brincar com outras crianças, era tudo, menos a beterraba e eu. Comê-la para terminar um choro seria, além de um desrespeito comigo, o silenciamento de uma dor que estava sendo externalizada através de um vegetal não ingerido.
Não tenhamos medo do choro. Esse é remédio pra muitos males, e sua prescrição é sem medida. Chorar pode não resolver o problema, mas certamente deixa ele mais leve.
*Ana Margonato, do @umcontocontadopormim, escritora de histórias que lhe atravessaram a vida e outras que achou por bem inventar. Poeta por pura teimosia e meio da existência aviventar. Escreve como quem respira e inspira como quem muito tem para escrever.