Brincar de ser só
Cansada da monotonia
ela decidiu brincar de ser
O carrossel girando lembrou
seus pés rodeando o quarto
com o peso do noticiário
tentou se pendurar nas barras
mas os braços estavam cansados de se debater
a gangorra quebrada dizia
que o mercado pesa mais que certas vidas
e a piscina transborda histórias esquecidas
se acumulando nas valas desconhecidas
poderia brincar de cabra cega
mas tapar os olhos é genocídio
poderia empinar uma pipa
mas o céu preto ainda chora em prantos
a morte da criança preta
a amarelinha sangra demais Belchior
e vai de um inferno a outro inferno pior
o escorregador parece ir
para um abismo fundo de ignorância
e a caixa de areia constrói castelos de amanhã
que desmoronam na angustiada ampulheta.
Ela segue para o balanço
no vai e vem da esperança
agora só brinca mesmo de ser só
e enquanto o céu não abrir
enquanto a gangorra não pesar pro lado da vida
enquanto as risadas não forem sentidas num abraço
o jogo perdeu a graça.
*@nubia.vrodrigues, 22, mineira de São João del – Rei, estudante de Psicologia, viajante e contadora de histórias. Arriscou-se a descobrir sua voz na arte e hoje se encanta cada dia mais com o bailar dessa força que segue a desabrochar. Amante da poesia falada, dos saraus, zines, podcasts, antologias e brechas. Em 2020 criou o projeto Devaneios Quarentenados.