Um breve conto do novo normal
Estava anunciado que acabaria assim. Também, em 365 dias de distanciamento social, acabou se acostumando em não reconhecer mais sua própria voz. Sabia sim diferenciar solitude e solidão, mas como sempre gostou de viver recluso, foi gostando cada vez mais da ideia de não mais dialogar com quem quer que fosse.
Ao sair e pegar elevador com vizinhos, já não respondia mais acenos e cumprimentos. Ao entrar em estabelecimentos comerciais, só apontava o que queria e entregava o dinheiro contado de cada compra. Ao ser abordado por alguém, fingia que não ouvia nada e seguia seu rumo. Não sentia falta das interações sociais e foi perdendo todo pouco traquejo que um dia pensou ter.
Não sentia falta do escritório, das conversas furadas com os extrovertidos exibidos e nem das interrupções dos preguiçosos. Gostava muito de acordar sem pressa aos finais de semana. De moer e preparar um café forte e aromático. Gostava de admirar os tons de neon a cada entardecer.
Gostava de observar seu corpo e rosto se transformando com a experiência do novo normal.
Gostava de mandar mensagens curtas desejando que os poucos amigos estivessem firmes, atentos e fortes e gostava do desaparecimento dos narcisistas que um dia fizeram parte de sua vida. Não gostava de provar sua sanidade mental aos familiares que não o entendiam. Preferiu sumir da vista deles.
Evitaria a fadiga de explicar seu excesso de empatia por um mundo doente. Ficaria assim, esperando o dia de ser convocado a ser vacinado em um Brasil derretido. E depois disso, seguiria exatamente igual, no seu delicioso mundinho do novo normal.
*Meu nome é @tamipazin, do @atamiescreveu. Estou vivenciando o retorno ao lar e recobrando o meu amor pela palavra. Acredito no amor como ferramenta de transformação. Acredito que o sentir é particular. E acredito que é preciso coragem para sentir. Coloco tudo isso em meus textos, palavras e manuscritos por aí.