Viver artesanalmente

Juliana Porto escreve o texto "Viver artesanalmente"
Foto: Arquivo pessoal

*Juliana Porto

Eu corria bastante antes da pandemia. Muito mesmo. E era bem aquela história que a gente vive lendo em crônicas, vendo em filmes e ouvindo na terapia: “Correr para onde e para quê?”

Eu corria para chegar pontualmente no trabalho, para resolver algo na hora do almoço, para terminar os afazeres domésticos no intuito de aproveitar o final de semana, mas eu percebi que minha mente também não parava de correr aos finais de semana e durante as férias. E a pergunta persistia: “Correr para onde e para quê?”

Então veio a pandemia e o trabalho remoto. E eu já havia lido muitos livros e textos sobre a tal desaceleração, mas não havia experienciado nada parecido. Olhei com mais atenção para meu dia a dia em casa e percebi que a experiência estava logo ali. Meu pai fabrica caixinhas artesanais de MDF e minha mãe, embora seja acelerada como eu, é capaz de ficar horas fazendo biscoitos e doces.

Logo me lembrei do padre Fábio de Melo, que escreveu sobre nossa incapacidade para lidar com o tempo de esperas, com o que era artesanal, com o que precisávamos deixar quarar como roupas no varal.

Olhei para o trabalho dos meus pais, senti a força dessas palavras…

Como era lindo ver todo aquele processo de transformação das caixas e o doce de figo se tornando verde escuro e saboroso, ao contrário daqueles que encontramos nos supermercados. E apesar de ser um processo, não estou falando de algo complexo, mas de etapas simples e prazerosas, de uma linda obra, com poucos recursos.

Após este momento de contemplação, tive que recorrer ao livro “Tempo de esperas” do padre Fábio de Melo para procurar um trecho. E ele diz assim: “Simplicidade é um conceito que nos remete ao estado mais puro da realidade. Talvez seja por isso que as pessoas simples sejam mestras em alcançar a felicidade com poucos recursos. Elas fazem uma experiência direta da vida. Deixam-se afetar por tudo o que é vivo e não perdem tempo com complexidades que não alterarão a vida que precisa ser vivida.”

Neste dia, aprendi um pouco sobre como era viver assim, artesanalmente.


*@julianastpto é jornalista e empregada pública que acredita que a escrita pode ressignificar situações e pessoas. Recarrega-se diariamente com família, amigos, livros e viagens.

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