Alívios e estranhamentos, solitudes na solidão
Procura a chave na bolsa, depois de sacudir e ter os três segundos de medo de ter esquecido a chave e estar trancada do lado de fora, acha a chave e destranca o apartamento. Mistura de alívio e estranhamento. Os gatos a recepcionam com a cara de fome de sempre e, ao invés do usual caminho até a cozinha para alimentar os bichanos, ela fica ali paralisada na frente da porta olhando para aquele espaço que lhe pertence.
Solidão ou solitude? Depende do dia.
Tem tido dificuldade de apreciar a sua própria companhia e sentido falta dos dias que conseguia. O ritmo pesado do trabalho e essa correria e pressa para viver a vida tem lhe tirado um pouco o sabor e o olhar brilhante. O modo zumbi tem sido o seu modo operante.
Cabeça cansada. Trabalho atrasado. Relacionamentos que só dão errado. Tropeços em brisas tortas, cada respiro misturado com uma nova nóia. Ora come demais, ora não come nada. Tontura. Cansaço. Medo. Abre a garrafa de vinho e toma até a metade. Dormir. Amanhã pode ser mais leve com menos ansiedades.
Acha que fez tudo isso, mas ainda está ali parada com a porta aberta olhando a sua casa, olhando para si e tentando não pensar em nada. Não se sabe de onde veio, como chegou e para onde vai. Mas sabe que depois que fechar a porta há os gatos para alimentar, as plantas para regar e os dias para seguir.
*@isabelacasellato é historiadora e professora formada na UNESP/FRANCA e mestranda na mesma universidade. Divide seu tempo entre as mulheres gregas e persas da História Antiga e as lutas feministas da atualidade. Fotógrafa e escritora por inspiração. Se descreve como a Alice em um eterno mergulho na toca do coelho: em um mundo maravilhoso e fantasioso, mas ainda permeado pelas dores e amores da vida. Ao mesmo tempo que tropeça entre as suas inconstâncias e incertezas, busca uma leveza e sua (c)alma. Insta – @fantasiosamente_isa.