O que vi em uma comunidade Kalunga

Maria Augusta de Castro Souza escreve sobre a comunidade Kalunga
Foto: Arquivo pessoal

*Maria Augusta de Castro Souza

Eu vi uma comunidade de descendentes de escravos escondida no meio do mato, entre vãos de pedra, se escondendo do próprio homem seu igual só devido a sua cor de pele.

Eu vi uma simples moradia sem móveis, sem comida e sem brinquedos, apesar de ter uma meia dúzia de crianças habitando nela.

Eu vi (me cortou o coração) essas e outras crianças tendo que atravessar o rio de madrugada em embarcações frágeis, se quisessem ir à escola na época das chuvas, tendo que atravessar a nado para ir buscar a canoa que estava do outro lado e voltar para atravessar as menores…

Essas mesmas crianças não sabiam ler, porque de tão cansadas que chegavam à aula, a mente ficava dispersa. O lanche também não chegava porque as estradas ficavam intransitáveis nesse período.

Eu vi (não queria ter visto) pessoas doentes esperando as “águas baixarem” para poderem chegar onde o “Dotô” estava. Me contaram de uma senhora que foi picada por cobra e não teve tempo de chegar na cidade a tempo, isso porque estava sendo transportada de rede.

Me lembrou “Morte e Vida Severina”.

Eu vi um lar humilde de onde um filho, que também já era pai, saiu para longe para buscar o sustento da família, e, lá longe dos seus, deu seu último suspiro. O corpo sem vida também teve de atravessar o rio numa canoa para que sua mãe o visse.

Eu via nos olhos daquela mãe uma tristeza tão grande, uma das maiores que já presenciei na vida e nunca vou me esquecer, até porque o seu netinho amado adoecera de saudades desse pai e teve que ser internado às pressas.

Mas também vi gente com consciência política lutando, do jeito que podiam, pelos direitos dos seus, enfim aprenderam a duras penas que a única saída era serem fortes.

Eu vi essa gente passando por tanta coisa pelas quais ninguém deveria passar e mesmo assim, alguns corriam para colocar uma roupa mais “ajeitadinha” quando me viam e eram tantos sorrisos acolhedores e ainda me oferecerem café acompanhado de uma boa prosa.


*Sou @maugusta.social, uma assistente social que está certa de que existem mais pessoas boas do que ruins, por isso quer unir-se a elas para fazer um mundo melhor. Acredita na escrita como forma de expressão da alma, na sua máxima pureza.

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