Brincar, absorver e expulsar

*Cinthia Reis

Faz um ano que iniciei o processo de terapia. O que me levou ao consultório foi a morte da minha filha quando eu estava com nove meses de gestação. Aurora é minha terceira filha.

Uma amiga me indicou uma psicóloga e como eu estava totalmente desnorteada fui assim que acabou meu resguardo. Mesmo pensando igual meu pai – figura – “psicólogos entram na mente!” Tudo que eu queria era sair de casa. Sozinha! Acho que esse foi o maior motivo. Os cuidados do resguardo me sufocavam.

Me lembro que no caminho pra primeira consulta eu estava em pânico. Não fazia ideia de como seria ir de encontro ao desconhecido. O medo quase me paralisava. O dia estava bem chuvoso, o trânsito pesado, a música estava no último volume, meu coração estava saindo pela boca e eu torcia pra que algo desse errado, assim eu poderia me “desculpar” por não conseguir chegar no horário marcado!

Os pensamentos eram: eu vou falar o quê? Como devo me comportar? Onde eu estava com a cabeça de ter marcado essa consulta? E se eu não gostar da psicóloga? Vou ter que deitar naqueles divãs? Eu devia ter pesquisado “O que falar na terapia…”

Cheguei dez minutos atrasada – não deu certo dar errado…

Fui muito bem recebida, apesar do atraso. A sala era diferente: pouca luz, fria, cheiro agradável, quadros… tudo muito organizado. Mesmo aquele lugar sendo tão acolhedor, eu sentia um desconforto surreal, encarei o desconforto, sentei e…

… Enfim, umas das surpresas dessa jornada foi encarar os rabiscos que tenho feito nos últimos dias. Não sei nada sobre arte, não estudo sobre técnicas de desenho… Fui brincar com meus filhos e um rabisco que fiz me chamou atenção. Levei o incômodo do rabisco e compreendi que eu precisava deixar “fluir”.

Tem uns dias que estou deixando fluir e tenho a impressão que estou respirando melhor (absorver e expulsar). Tento absorver o que as canetas dizem a respeito do que meus dedos acabaram de expulsar.


*Meu nome é @cinthiareisp, 35 anos, mãe de 3 filhos – Olavo 5 anos, Vicente 3 anos e Aurora (que teve uma breve passagem por aqui – nasceu sem vida). Esposa, publicitária, apreciadora de vinhos e uma apaixonada pelas palavras e as cores.

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