Homem como corpo esquálido (ou ode às minhas queridas)

Foto: Pixabay

Fábio Góis*

Nada de testosterona neste texto. Em meio a tanto estupro, misoginia, feminicídio, como estufar o peito e, como um king kong de meia tigela, bufar um ânimo que não existe?

É mais vergonha. Vergonha não de ser o homem em que me tornei, do qual muito me orgulho. É vergonha-desgosto extremos por pertencer a um gênero que perpetua o machismo, mantém o status quo do patriarcado.

Convidado a este texto, lembrei da cena que via com o coração partido e a mente inocente, sem muito captar. Lembrei-me do corpo esquálido de minha avó aos 90 anos. Acho que me sinto como aquela linda e alquebrada criatura, por pura empatia.

Corpos e almas femininas têm sofrido demais (espero a revolução das bruxas e das fadas). Nossas meninas, nossas mães, nossas amigas, nossas professoras sangram e nós, como um bando de canalhas-zumbis, nós vamos ao Maracanã, embriagados em nossa própria pequenez.

Eu, não. Longe da matilha, eu sou o corpo esquálido de minha avó.

A lágrima de vocês é minha.

E, quando vocês morrem, eu morro junto. Sinto em minha alma a dor que é causar dor em vocês.

O fato de eu ser heterossexual, branco, relativamente alto e em boa condição social me apequena em um mundo com tantos jeitos de ser e existir, todos bem-vindos e naturais – todos sabem de si e nascem de um jeito que os céus abençoam, como diria o papa mais maravilhoso da história. Mas nada é tão diminuidor quanto o que nós, os homens, temos feito contra vocês há milênios.

Mas as vítimas aqui são vocês. Trata-se aqui de um suspiro de amor profundo, com tintas de sangue e lamento. Porque as amo tanto – como homem, filho, irmão, amigo, parceiro de trabalho… –, por saber tanto sobre o quanto vocês são essenciais, especiais, humanas, por ser um fruto de vocês com tanto orgulho, quero um campo de força em torno de cada uma. E que nunca mais homem algum ultrapasse seus limites sem autorização.

Enquanto isso não acontecer, quero-me tatuagem em vocês, esquálido.

*Fábio Góis pensa ser jornalista, mas desconfia ter sido encantado durante a monografia sobre Clarice Lispector e, por isso, percebe-se como escrevinhador profissional. Nasceu em Recife, é filho de Yemanjá e tem uma mulher como guru espiritual.

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