O bolo que eu não fiz
Você precisa estudar e, só depois de formar, casar. Mulher não pode depender do marido.
A frase era um mantra na casa da minha mãe, que vai ser sempre casa minha também. Dona Sonia me dizia isso enquanto assava bolos. Ela repetia isso quando ia amassar o biscoito. Ela voltava a falar enquanto eu, emburrada, secava as vasilhas do almoço.
A fama da minha mãe na vizinhança era a de que ela fazia o melhor bolo da cidade. Não era só fama. O melhor bolo do mundo é o da minha mãe. Eu queria, na época, fazer um igualzinho. Fazia, na realidade, uma bagunça na cozinha. E lá vinha minha mãe, nervosa, brigando comigo:
Você não leva jeito pra isso, vai estudar!
Além de boleira, minha mãe tinha fama de brava. E não era só fama. Sem direito de resposta, lá ia eu mergulhar nos livros. A cada tentativa de me aproximar da cozinha, era quase enxotada de lá. Estudei, formei, casei, não dependo do marido. Segui direitinho o cardápio que ela me ensinou e não aprendi a cozinhar. Durante muito tempo, me orgulhei de não saber fritar um ovo.
Quando virei dona da minha vida, dona Sonia chegava a fazer as comidas pra mim e me mandava tudo congelado no isopor. Freezer cheio e fogão de enfeite. Nasceu minha filha e nem assim nasceu uma mãe cozinheira. Nem papinha sabia fazer pra ela. Pergunte pra minha filha qual o sabor da infância dela. É o bolo de cenoura da minha mãe, que por sinal é o meu também.
Até que um dia, meu marido me chamou pra ir pra cozinha, talvez buscando realizar meu sonho de um companheiro que soubesse cozinhar. Nós dois cozinhando juntos. Caí na risada. Mas aceitei o desafio. Na época dos tutoriais na internet, tudo pode ficar mais fácil. E ficou. Seguindo um passo a passo cronometrado no relógio, fizemos o primeiro risoto da minha vida e da dele. Nem refogar arroz eu sabia, e já fomos direto pro risoto.
Se ficou bom? Pergunte pra minha filha. Chorei na mesa quando ela disse que estava uma delícia. Nunca imaginei ouvir isso da boca dela. Então era possível? Ser independente e manejar as panelas? Um mito ia pro forno.
Da primeira receita de risoto pra cá, já tem um ano. Ainda preciso cronometrar tudo no relógio. Já nem faço tanta bagunça na cozinha. Mas agora já sei fazer, com tempero de filha que entendeu tardiamente a receita, um risoto de agradecimento pra minha mãe.