A gente não se abraçou
Há umas duas semanas antes do dia do pais, havia marcado com minha irmã mais nova, a Isabela, dela me emprestar uns livros.
O combinado era ela entregar pela janela do carro. Tudo distante. Máscaras. Álcool gel. Impessoalidade, como quem pega uma comida com o entregador do iFood. Obrigada, bom trabalho e tchau. De longe. Esse era o acordo com a Bela e em segredo, para não colocar meu pai em risco.
Quando parei em frente o prédio onde eles moram, vejo, como uma miragem, meu pai voltando de uma caminhada, já na parte de dentro da portaria. Era ele mesmo? Eu sem óculos, ele de máscara, mais magro.
Num súpeto de saudade, desci correndo do carro, abaixei a máscara rapidamente (com medo de que ele também tivesse dificuldade em me reconhecer).
“Pai?” “Filha?” Ele atravessou a barreira intransponível daquele vidro e quando íamos nos abraçar, por um momento de lucidez, que tenho certeza de que não foi da minha parte, paramos.
Não resisti e com a mão fechada, esfreguei meu antebraço no dele, várias vezes, enquanto ele repetia a frase: “Tem quatro meses que não te vejo e não posso te abraçar”.
Todo mundo sabe que detesto chorar na frente dos outros, principalmente dos meus pais e irmãos porque gosto de fingir pra eles que sou forte, mas meus olhos me entregaram atrás daquela máscara.
Segurei (mais ou menos firme) e ele me perguntou: “Tá tudo bem, minha filha?” “Sim, olhos vermelhos por causa da maquiagem”. Não poderia chorar ali porque se eu permitisse que a emoção se desnudasse, meu pai me daria um abraço de consolo. Naquele momento, era tudo que eu queria, mas não podia.
Nos despedimos. Falei que estava atrasada para uma consulta. Entrei no carro rapidamente, acelerei e parei metros adiante. Chorei. Chorei de medo de perdê-lo. Chorei pela falta de perspectiva. Chorei de coração partido e principalmente, de saudade mal curada. Saudade, pra mim, só se cura com abraço. E eu ainda continuo/estou doente.
*@revarandas é jornalista e uma das organizadoras do Podcast Vida de Adulto.
Renata boa noite, seus comentários são em uma linguagem culta, você é uma grande repórter e nosso país precisa de pessoas culta. Sou baiano e como diz o grande Divaldo Franco, acho que te conheço de outra vida. Você tem charme e muito bonita.