Quantos espaços vazios cabem em um texto sem palavras?

Taciana Collet no Blog Vida de Adulto
Foto: Depositphotos

*Taciana Collet

A música me escolhe na playlist tocada no carro. ‘Song without Words”, de Mendelssohn. O nome salta da tela em inglês e a tradução simultânea vem tão automática como troco as marchas. “Uma canção sem palavras”… Inspirada pela melodia que me toca a alma sem verbo ou sentença, me pergunto enquanto dirijo: “Seria possível um texto sem palavras?”

Um texto que nada dissesse, mas tudo falasse. Um texto pretexto pra nada dizer, mas tudo contar. Um texto pra que você me lesse na essência. Um texto-vazio que fosse completo. Um texto que alcançasse minhas vivências mais íntimas, meu pensamento antes mesmo do pensar. Um texto que nunca antes tivesse sido pensado.

Fico pensando se um texto-vazio pensado antes do pensar seria escrito assim:

( _______________________________________________________________________________).

Não, não seria um parêntesis na página pra tapar buraco. Nem pra preencher nada. Tem vazios que só são vazios e nada mais. Tem vazios que não esperam pra serem preenchimento justamente foi demorado pra esvaziar.

Não, o vazio vai além da ausência de palavras. O vazio nos revela assim como o silêncio. Talvez eu não consiga traduzir o vazio. Ou talvez eu tenha descoberto que não estou vazia. Talvez meu momento transborde ou transcenda.

Mas não, este não é um texto silencioso nem vazio, eu só procuro um texto sem palavras para tentar descobrir o sentido da linguagem. Eu só queria traduzir pra você o que vai dentro despido de conjugações, mas nessa tentativa eu já vejo a página sendo preenchida por verbos.

Agora, já perto do fim, me ocorre que “no princípio era o Verbo, e o que o Verbo estava com Deus” e que um texto sem palavras talvez seja o que está guardado em algum lugar de mim e nem eu mesma saiba onde. Um texto que só estava à espera de uma música sem palavras que o provocasse a sair e se fazer escrito. Com palavras. Se é assim, que essas não lhe cheguem vazias.


*@tacianacollet é uma das fundadoras do Vida de Adulto, escreve às sextas-feiras, duas vezes por mês.

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