Cartas repletas de afeto

Foto: Pinterest

Rachel Mortari*

Quando eu saí de Santos, no litoral de São Paulo, para morar em Maceió, no auge dos meus 17 anos, deixei para trás um universo que estava começando a explorar com amigos e locais que se tornariam lendários, o bar do Torto, as domingueiras do Sério Libanês, o Caiçara, um amor. Na mala, me acompanhavam Eduardo e Mônica e toda a geração coca-cola.

Foi difícil me reconhecer na nova cidade, as meninas da minha idade sonhavam com o enxoval do casamento e não com a faculdade ou as viagens para o exterior, não saiam à noite e não ficavam sozinhas com os namorados no sábado à tarde.

O que alimentava minha alma, além dos queijos coalho esquentados na brasa (deveria ser considerado uma das sete maravilhas do mundo) eram as cartas da Lara e da Cris que chegavam quinzenalmente. Sem e-mail, celular ou WhatsApp, a comunicação era via Correios. O coração batia forte quando as cartas chegavam. Postá-las era um misto de alegria e ansiedade. Eram longas e maravilhosas cartas, enfeitadas, decoradas, perfumadas. Um diário a três. Talvez virassem relíquias e livro, quem sabe?

As ligações telefônicas eram com hora marcadas com quem ia receber e eram feitas após as 20h quando a tarifas interurbanas eram mais baixas. Era quase um evento, um ritual, ir para os postinhos de telefone em frente à praia e ficar na fila esperando um tempão dar a hora certa e ainda esperar as conversas alheias acabarem. Eram cabines telefônicas dentro de um quiosque onde as conversas eram “compartilhadas”.

Sem dependência financeira, o sonho era poder ir à Santos de vez em quando, passar um final de semana, colocar a conversa em dia, visitar os lugares e fazer as coisas que fazíamos juntas. Pelo menos uma vezinha. Poder se ver e se falar ao vivo e a cores. Isso era ser adulta. Poder comprar uma passagem e ir visitar as amigas no final do semana.

Quando hoje a gente se encontra, não tanto quanto eu gostaria, quase três décadas depois, nós e nossos filhos e companheiros, me sinto gente grande, com a liberdade de ir e vir, mas com a emoção e a alegria de uma adolescente que encontra as amigas para passar o final de semana juntas e conversar e rir e chorar e se encher desse afeto que faz a vida ficar mais leve, a amizade.

*Rachel Mortari é jornalista, consteladora familiar, adora gatos e banhos de mar.

 

One thought on “Cartas repletas de afeto

  1. Rachel, nos conhecemos no ambiente profissional, mas sempre me lembro de você como a garota dos gatinhos. Uma pessoa sensível, inteligente e apaixonada por gatos. Adorei te reencontrar aqui. Volte a colaborar com o blog.

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