Meu pai, meu amor e 100 doses de vodca

Foto: Depositphotos

*Mariana Londres

Eu tinha 14 anos e tudo o que eu queria era treinar natação, tirar boas notas e conhecer melhor os garotos. Até que a dependência química entrou na minha vida. Mas a vítima não era eu, era o meu pai.

Desde a separação da minha mãe ele estava sem rumo. Não lidava bem com uma casa vazia, com a pouca convivência com os filhos.

E quando estávamos com ele, a cena era de um homem embriagado, de pijamas a qualquer hora, ouvindo música com um fone, fumando cigarros, olhando pro vazio. Aquele pai da infância, feliz, carinhoso, que nos levava pra andar de bicicleta, nos ensinava de tudo, tinha soltado da nossa mão para nunca mais voltar.

Eu via que tinha algo muito errado, mas não tinha ideia do que fazer. Minha mãe não se metia, minha avó paterna não tinha forças. Meu irmão se isolava e não queria nem falar do assunto.

Vi o meu pai cair de bêbado no meu aniversário de 15 anos, quando o que eu mais buscava era aprovação dos meus amigos.

Ele chegou no fundo do poço. Uma noite sumiu e foi encontrado na rua, na sarjeta. Minha avó, que era sozinha, separada havia muitos anos, conseguiu colocá-lo num táxi e interná-lo numa clínica para dependentes, particular.

Com a graça do bom Deus, meu pai era servidor público. Não enfrentou a crueldade do mundo corporativo que certamente o demitiria na primeira crise. Tirou uma licença e ficou internado por meses.

O período de internação foi duro pra todos nós. Eu não conseguia explicar pras pessoas que perguntavam: “onde está o seu pai?” Nessa época eu já estudava pro vestibular. Conciliava cursinho com trabalho -dava aulas de inglês- com as visitas à clínicas, grupos de apoio à família do dependente.

Quem conhece o meu pai hoje, jamais acreditaria nessa história. Ele tem uma vida quase perfeita. Mora em Barcelona, anda de bicicleta, nada todos os dias, tem um casamento maravilhoso, milhares de amigos e até já pode beber socialmente.

É que a dependência química é assim: não escolhe família, classe social, cara boa. Chega lenta e sorrateiramente. Silenciosa. Corrói as fundações. E se deixar, derruba tudo e todos.

*Mariana Londres Pinha escreve desde criança como terapia. Nunca pensou em publicar nada pessoal, até encontrar uma editora insistente e apaixonada. Além de textos, produz relações de longo prazo e é especialista em administrar distâncias e saudades.

 

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