Homem casado


Foto: Depositphotos

*Liege Albuquerque

O que faz um homem casado há mais de 15 anos procurar sua ex-namorada de quase 20 anos atrás? Tédio no casamento? Checar se a ex ainda é gata? A pessoa pega um avião, fica num hotel, manda as datas, o número do quarto, diz que vem conhecer a Amazônia. Chega na cidade e vai tentando atrair a presa. Manda foto dos passeios e insiste num café, já que as mensagens com o número do quarto são ignoradas.

Café coado na xícara, chuva lá fora. Ele usa barba hoje, está sexy, mas ela está certa do que veio fazer. Ficou curiosa, queria ver de perto a intenção. Ela continua gata sim. Não, está mais ainda, segundo ele. Era segura e independente, e agora parece um diamante lapidado. E ainda suavizado pela maternidade.

Ela saiu elegante do café. Ele manda uma mensagem frustrado.

Por alguns segundos, ela quase se arrependeu. “E se eu fosse outra, uma ´double vie de Veronique´ e tivesse transado com ele? O que eu sentiria? Prazer? Remorso? Os dois? Nada?

“Ele se afastará da minha vida, esquecido, quase inteiramente ignorante do que foi para mim. E, por incrível que pareça, entrarei em outras vidas; talvez não seja mais que uma escapada, um simples prelúdio. (…) Por isso parto, hesitante, mas altiva; sentindo uma dor intolerável, mas segura de que vou triunfar nessa aventura após tanto sofrimento, segura.” Como pude me lembrar de uma frase tão exata para traduzir este sentimento em Virginia Woolf?

Pois ouvindo essa história de minha amiga, solteira, mãe e independente como eu, pensei em muitas parecidas que vivi e vivo. Penso, ou tento pensar, dos dois lados: as mulheres desses homens também pulam a cerca? Se sim, é consensual? Elas sabem e tudo bem? Ou elas não sabem e não pulam a cerca?

São questionamentos para chás com amigas. Interrogações quase impossíveis de responder. Porque para algumas mulheres solteiras, ajudar o ex-namorado na pulada de cerca e sentir prazer com isso era o caminho certo. Para outras, como ela, o café e um sorriso de Monalisa eram o suficiente. Em ambos os casos, tudo bem. Porque faz tempo que o melhor mantra foi trazido por Simone de Beauvoir: “O segredo da felicidade e o cúmulo da arte é viver como todo mundo e ser como ninguém”.

*Liege Albuquerque escolhe uma frase de Clarice para traduzi-la: “Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade depois de muito trabalho”. Carrega uma tranquilidade atípica a uma taurina com ascendente em áries. Não quer provar nada para ninguém. Apaixonada pela filha, pelos gatos, catioro, família e amigos, por beijo na boca, por um bom debate de ideias, por chocolate e sorvete, uma ida ao cinema e torrar na praia lendo um bom livro. Simples assim.


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