As cicatrizes que nos unem

@marianalondres

As cicatrizes nos unem. A minha, de uma cesárea de emergência após meses me preparando para um parto normal. A dele, no rim direito.

Ele tinha apenas oito meses de vida quando o deixei no centro cirúrgico. Teve de ser desmamado para o pós-operatório. Foram duas rupturas: a do fim do aleitamento e a de deixá-lo sozinho naquele ambiente hostil, gélido. Como não tinha sintomas nem dor antes da cirurgia, apenas um mal funcionamento que comprometeria o seu rim, chegou sorrindo e batendo palminhas para as enfermeiras.
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Ao voltar para o quarto, a alegria tinha ido embora. Não conseguia chorar após ter sido entubado. Tinha sondas, uma cicatriz naquele corpo tão pequeno e dias pela frente de mamadeira e morfina.

Aos 25 anos, eu encarava tudo como todas as mães que encontrei no hospital. Com força, sem choro. No corredor dos pacientes renais, ouvi histórias muito, muito mais difíceis do que a que vivíamos.

De mães que tinham largado tudo para morar no hospital com os filhos em internações de anos. De uma menina de quatro anos que tinha perdido um rim e a metade do outro. Contava detalhes médicos como se fosse adulta. “Quero ser médica”, me disse, com um enorme sorriso no rosto. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
A cicatriz do Felipe o salvou de problemas renais. A minha, de possíveis complicações no parto. Dez anos depois ganhei outra, de dez centímetros no colo. Meu filho estava comigo no consultório médico quando recebi o diagnóstico: “É melanoma, você vai ter de tirar uma margem de pele por segurança em cirurgia”. Ele segurou a minha mão, me olhou e disse: “Relaxa mãe, vai ser só mais uma cicatriz”.

*Mariana Londres Pinha escreve desde criança como terapia. Nunca pensou em publicar nada pessoal, até encontrar uma editora insistente e apaixonada. Além de textos, produz relações de longo prazo e é especialista em administrar distâncias e saudades.