E se?

Foto: Arquivo pessoal

*Vitor Casimiro

E se teu filho for gay? Ou melhor, sejamos sutis, ainda que nem tanto: e se teu filho for o oposto do projeto que você traçou na maternidade? É certo, você irá pô-lo na melhor escola que há e tudo indica – inclusive a desigualdade do país – que ele virá a ser um profissional de sucesso.

Mas suponhamos que tudo “dê certo” mesmo, a ponto de a escola cumprir fielmente seu papel, e ele venha a ser tocado tão profundamente por um professor que resolva: “Papai, também vou ganhar a vida dando aula de filosofia . É maravilhoso pensar por si”.

Imagino aqui sua cruel quebra de expectativa. Veja o lado bom: Tem pai que se lastima já na ultrassonografia ao descobrir que vem menina. No seu caso, foste poupado até o Ensino Médio de semelhante desgosto.

Isso tudo para dizer que meu filho, em pleno aniversário, declarou-se a uma coleguinha ao declamar um texto previamente escrito num caderno e tendo anunciado que o faria, cerca de uma semana antes, a todos da sala, o que tornou a festinha o acontecimento mais badalado de 2019, para quem tem dez anos.

Por mais que tenhamos insistido: “Meu filho, criança não namora”, ele foi lá e fez. VENI VIDI VINCI.

Ao soar os clarins da vitória, uma mãe que julgava até então prafrentex decretou: “Que filho corajoso, o seu, você devia se orgulhar!”. Não sei se captei mal as entrelinhas do texto, mas, juro, me pareceu que a comemoração tinha motivo: ele acabara de preencher uma das primitivas expectativas sociais em relação aos garotos: tomar sempre a iniciativa e, evidente, não ser gay.

Como diz a canção do Raul Seixas, “eu devia estar contente”, então. Pois eu rejeito aqui desde já esse ouro de tolo. Eu quero mais é que ele faça o que quiser, desde, claro, que assuma as consequências. Que seja biólogo, cavaquinista, hippie fazedor de miçanga, cozinheiro, gay ou não.

Eu quero mais é que ele reconheça as minhas incoerências e imperfeições e vá ser feliz em escolhas eventualmente melhores ou completamente diferentes das que eu próprio fiz ou faria em seu lugar.

Aos pais de primeira viagem, eu aviso no sistema de som da sala de embarque do aeroporto: A paternidade é uma viagem só de ida, em que você embarca sem saber pra onde e sem nenhum direito a bagagem.

*Jornalista, auditor-fiscal, amador de basquete e blues e amoroso da língua e cultura francesas.

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