Traumas seguem pela vida

Foto: Arquivo pessoal

*Roseane Ferreira

Sim, os traumas podem ser gerados na infância e fazer um caminho silencioso pela vida, muitas vezes doloroso. Silencioso para os pais desatentos ou excedidos em zelos, que, ao final, acham que tudo é normal, que aquela menina é apenas retraída, tímida talvez.

Vivi uma infância relativa. Teria sido melhor não fossem os severos limites impostos e a vigilância acirrada a que fui submetida. Rigores que nunca consegui compreender e que me faziam diferente das crianças que convivia.
Sem poder subir em árvore, pôr os barquinhos de papel nas águas da chuva, comer bunda de formiga frita pega em meio a correria da molecada.

Aprender a ser comportada sem querer ser. Não ter namoricos de infância quando era o que mais se queria ter. Aprender (ou ser obrigada a) aquietar-se quando queria correr, sentir o coração disparar no pique pois às seis da tarde tinha de estar em casa pra tomar “bença” e jantar. Bem no bom da brincadeira…

Lembro da desconfiança, de ver meu pai escondido por entre árvores, me espiando de longe, na praça. Estranha sensação essa.

E surge uma adulta cheia de nós, com entraves nas relações e dificuldades de impor limites, que passou dos quarenta sofrendo assédio por anos, silenciosamente. No ambiente de trabalho, um colega percebeu essa fragilidade e usou toda sorte de tentativa de cantadas disfarçadas de “brincadeira” para me acuar, chegando ao ponto de eu ter de pedir para os colegas não me deixarem só na sala. Ou então, se ouvia a voz dele e estava sozinha, me trancava na sala. Foram anos. Desnecessários anos.

Uma colega de sala, um dia não tolerou:

– Ele faz isso com você porque você deixa, é permissiva. Cadê que ele faz comigo?

Foi um soco. Na analista, cheguei acabada. Daí então, saibam, começou o melhor desfecho positivo. A passos lentos fui olhando e enfrentando não só o meu algoz, mas a mim mesma. Permissiva é uma palavra forte. Significou muito para mim.

A gente muda. Custei a dizer, a expressar o que sentia, mas as coisas vieram como uma avalanche. Hoje acho que falo demais. O fato é que aquele comportamento jamais pode voltar. Continuo buscando equilibrar as emoções, pensamentos e gestos.

*Roseane Ferreira é uma paraense meio amapaense que ama escrever, funcionária pública, administradora que ama poesia, esperando a novidade de um netinho.

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