Espelho errado

Foto: Arquivo pessoal

*Henrique Pierre

Desde que me lembre, fui descontente com minha imagem física. Tão logo pude intelectualmente me comparar (o que deve ter ocorrido lá pelos 7 anos), sempre me coloquei abaixo do padrão de beleza. E assim foi, desde sempre: ideal lá, e eu aqui.

Por vezes pensei ter achado a fórmula que finalmente me tornaria mais belo, desejado e admirado. Fosse por músculos ou roupas sob medida, precisava me destacar na multidão e poder, enfim, olhar para o espelho com orgulho.

Controlava todas as variáveis que resultariam na conquista do almejado padrão de beleza o qual havia me decretado. Dispensei refeições com a família, pois fugiam da dieta. Privei a namorada e amigos de muitos momentos juntos, pois a rotina milimétrica da beleza vinha antes de tudo.

Uma série de (divinas) crises, no entanto, se sucederam. Fim de relacionamento, crise profissional, doenças familiares. Lesões me impediam de seguir no esforço raivoso de “melhorar” meu corpo. Senti meu corpo sucumbir diante de uma inexplicável perda de peso.

O ideal de beleza estava comprometido. Perdi o controle. Fez-se mandatório olhar para dentro, ainda que deva confessar que tal olhar se deu inicialmente para consertar algo que parecia quebrado, na esperança de que, uma vez consertado, o projeto de beleza seria retomado.

Algo foi se transformando lentamente enquanto tirava os olhos do espelho e me voltava àqueles a quem pedia ajuda. Como mágica, começava a perceber o quão belas eram as pessoas que a mim davam o seu melhor. Não me lembrava de tamanha beleza vinda da época em que tinha o espelho como referência. O que faziam que os tornava tão bonitos?

Me dei conta de que eram as mais belas do mundo quando se colocavam à disposição do outro, como se estivessem diante de seu próprio reflexo. Estendiam a mão, doavam-se e se fundiam ao outro, sentindo sua dor e ultrapassando os limites dos corpos. Me curavam, devolvendo-me toda a Beleza que nunca havia encontrado olhando para o espelho errado.

Já podia parar de lutar para ser o que não era. Os “post its” colados no espelho me lembram do que é verdadeiramente belo: o serviço autêntico. Sei hoje o caminho do belo.

*Apresento-lhes Henrique Pierre. Advogado, terapeuta e obstinado buscador, Henrique tem me ajudado a me expressar através de textos escritos com o coração, compartilhando suas experiências, sentimentos e percepções. Confio neste rapaz para me ajudar a reencontrar a minha parte que habita em você. Espero que se deem muito bem!

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