O poder do mar
*Noéli Nobre
De quarta para ontem, Florianópolis parou. “Restaurantes e lojas, tudo fechado”, me avisa o gerente da pousada atrás de sua máscara.
Frio no coração. Angústia a gente sente no peito. Pensei logo em adiantar meu retorno a Brasília. Pelo aplicativo, impossível. E as notícias do aeroporto davam conta de aglomerações, tudo o que preciso evitar.
Respiro. “À praia você pode ir”, me autoriza o gerente. À praia eu vou, que bicho nenhum foi feito pra estar preso, ainda que agora esta seja a recomendação e eu vou respeitar. Mas uma extensa faixa de areia, quase impossível esbarrar em alguém.
Vejo o mar e subitamente sou anestesiada. Que poder é este do barulho das ondas, da imensidão que vem e que vai, do som do vento, ainda que o dia esteja tão cinza e uma placa me avise que na água não devo entrar?
Caminho, caminho, caminho. Vejo almas solitárias caminhando, olham o mar. Terão medo?
De repente, penso que nunca havia passado por nada parecido: nenhuma peste, nenhuma guerra, nenhum regime militar, nenhum toque de recolher, nenhum terremoto, nenhuma enchente.
Certa vez, um jovem bósnio, sobrevivente de guerra, me disse: “Dá pra ver que você nunca sofreu na vida”. Ele tinha razão, a pessoa com história de vida mais impressionante que encontrei.
Olho novamente o mar, que me diz: “Tome seus cuidados, mas não entre em pânico, isso vai passar”. Autoengano talvez. Mas com o mar eu não discuto. A linha do horizonte guarda um mistério.
Até eu voltar para Brasília, quero olhar para o mar todos os dias, tal qual jovem noiva que espera o amado que partiu. A qualquer momento, o navio que o traz de volta pode despontar ali onde o mundo parece terminar.
*Noéli Nobre, brasiliense de raízes bandeirantes e amazônicas. Adepta do sonho, amante das palavras.