Laranjas e lives
Não se negocia com a dor, se sente a dor ou anestesiamos. Nesses momentos de mortes e perdas próximas, podemos mesmo é encarar a vida. Quando soube que um tio querido se foi, pensei com tanto carinho nele que me emocionei. Acho mesmo que me emocionei com a vida dele, não com a morte. A morte trouxe a lembrança, igual álbum de foto.
Hoje eu e Manu rezamos pelo vovô que está no hospital.
Manu lembrou das laranjas, afinal não se come laranja sem lembrar do vovô. Ele sentava à mesa para descascar e comer depois do almoço. Isso é sentir a vida. Ser afetada pelas laranjas.
As mortes são mesmo inevitáveis e nós com tão pouca maturidade para lidar com isso. Pareço um robô às vezes. As dores estão aqui e o mais simples é anestesia: filme bem idiota, música vazia e celular para deslocar o pensar.
Na real, pouco sobra da lembrança de alguém que partiu, mas talvez o cheiro fique na memória olfativa, talvez a imagem da laranja ou o movimento do descascar, assim como o sorriso debochado desse tio amoroso.
No fim, pensamos sempre no que deveria ter sido feito e não foi, como faço para voltar? E nesse intervalo de tempo que pensamos, a vida acontece de novo. A vida não resolve com celular via vídeo-chamada. Não mesmo.
Somos tão vivos que é preciso um corpo inteiro para observar a laranja ou um sorriso.
As crianças sabiamente estão sentindo a forma como os adultos se comportam em quarentena. Que espelho é esse que estou sendo? Isso sem contar na abdução da criança para o mundo de anestesia dos sentidos, sabe tipo aquelas “Lives” que nós adultos já estamos morando.
Somos tão incapazes de viver o presente que tiramos fotos da luz do sol que bate na janela. Esquece, acho que morremos mesmo, nos enterra logo, esquecemos como é essa parada de vida.
Vovô está no hospital, vimos ele pelo celular todos esses meses, mas foi como se não tivéssemos visto, nem tinham laranjas. Porque a vida é real, não virtual. Reconheço que, nesse momento, somos individualmente responsáveis por viver nossas próprias vidas. Não tem plateia dessa vez, talvez nunca tenha tido, mas o palco continua só seu.
Mas enfim, bobagem. Amanhã faço uma live sobre isso.
*@liviaresendeeu, mãe da Manu, mapa astrológico – profissional de Educação Física atendimento em saúde integral.