Sobre banalizações de uma pandemia
Tenho me impressionado em como se tem banalizado a morte, a dor e todos os sentimentos aflorados diante de uma pandemia. Durante uma conversa, quando uma pessoa traz a informação de que alguém está hospitalizado ou veio a óbito, a primeira pergunta é se foi culpa da pandemia. E, quando não há essa ligação, vejo pessoas soltarem um: Ahh! Com um misto de alívio ou sensação de abrandamento.
Como se essa postura aliviasse dor da situação de quem está com um familiar ou amigo acamado ou mesmo enlutado.
Porque toda morte é despedida e toda forma de dor é doída. E nunca estaremos prontos pra isso, independente de crença, experiências ou formações que te conduzam para uma visão mais madura da morte.
Tanto a morte física, quanto as emocionais, todas elas doem, todas nos exigem um ritual forçado de despedidas, de nós e dos outros. Despertam nossa fragilidade, resgatam memórias, afetam nossa necessidade de adaptação e recomeços.
As mortes físicas referem-se ao mistério do fôlego de vida que se esvai sem passagem de regresso, por prazo indeterminado. As emocionais dizem respeito as separações da vida adulta, de situações que mudam de status e acabam desenhando seu prazo.
E a banalização está em dar créditos e méritos às mortes da pandemia. Mesmo ainda percebendo uma desmedida ausência de cooperação efetiva por muitos lados e sujeitos da nossa sociedade. Está no desprezo de dores preexistentes, de mortes presentes, do número exorbitante de divórcios, de enlutados e de solitários reclusos.
É certo que a morte é algo inevitável e destino bem certo de todos nós. Mas satirizar os seus efeitos é pior do que romantizar teorias científicas e espirituais para romper ou bloquear o luto.
A dor, por pior que seja, faz parte e nunca vem à tona por nada. Talvez o melhor caminho seja reconhecê-la, acolhê-la, senti-la, não o oposto. Ela nos exterioriza o avesso, nos revela nossa fragilidade e impotência do que não temos controle.
Mas antes uma dor sentida do que abafada. Em tempos de banalização, procure ajuda, se observe, se cuide, respeite sua própria dor e seu próprio tempo de se reorganizar em meio a tudo isso.
*Me chamo @eire.irlanda, sou a eterna filha, aprendiz de mãe, advogada e gastrônoma, e aquela que persiste em sentir o que as palavras conseguem nos dizer.