Procuram-se repórteres para o novo normal
Depois de quase 14 meses fora de Goiânia, de onde saí para tentar avançar como repórter em São Paulo, voltei. Mais por não ter suportado minha improdutividade causada pela ansiedade do que por falta de oportunidade de trabalho. Não suportei, primeiro, o isolamento dentro de mim.
Nenhum editor suportaria a insalubridade mental causada pela depressão de um jovem repórter na cidade mais exigente do Brasil. Demorei semanas para compreender como escapei da falta de ar, não causada pelo vírus, mas pela incapacidade de fazer o que todo repórter quer: compreender o que se passa e escrever. Não de dentro de um quarto, mas na rua – na gíria jornalística – onde as histórias surgem.
Aconselhado a confrontar os traumas que eu, um cara do interior do Brasil, passou sozinho a mil km de quem amo, fui à casa da minha avó, onde fica meu arquivo de trabalho desde quando comecei no jornalismo aos 15 anos.
E vasculhei pastas em busca do reencontro de um outro de mim que conseguia ter forças para contar histórias. Exercer o jornalismo.
Folheei alguns dos blocos de anotações que me acompanharam durante os anos que me dediquei ao trabalho como repórter.
Um deles, amarelado pelo tempo, datado de 2014, a observação de um repórter ainda estudante. “O quarto mede 5 por 3. A janela aberta revela uma jabuticabeira com frutos verdes. A cama está desarrumada.” Escreveria a história de um rapaz que morreria em um acidente de moto minutos depois de abraçar a mãe.
Num outro bloco, com páginas sujas de terra, eu fazia a vez de biólogo. Anotei várias espécies de insetos e a vegetação de um sítio goiano para um pauta sobre desmatamento.
Cada bloco aberto servia como passaporte para um tempo em que eu não via dificuldade alguma para intermediar a dor do outro em reportagens. Os blocos, a memória e a vocação me entusiasmaram pela primeira vez esses meses todos. E o melhor é aproveitar para refletir que o novo normal também precisará de repórteres.
*@yagosales1 é jornalista. Já escreveu para ÉPOCA, El País, Metrópoles, Ponte Jornalismo, Carta Capital, Jornal Opção.
