Felino amor

Rosângela Rezende escreve sobre "Amor felino"
Foto: Arquivo pessoal

*Rosângela Rezende

Eu nunca gostei de gatos. Sempre que via um, o cérebro projetava a cena dramática e fictícia dele pulando na minha jugular. Achava aquele hábito sedutor de circular em meio às pernas humanas, fosse por carinho ou comida, a característica mais forte da espécie: eram uns interesseiros. Crença estabelecida, ponto final. Não, a vida é cheia de vírgulas.

Aos 18 anos, voltando a pé do trabalho, ouço o chorinho fraco e insistente. Encontro, escondida no mato, uma minúscula figura felina com olhinhos suplicantes. Levo pra casa na mão, tão recém nascida que era. Dei até leite na colherinha, mas ela não resistiu. Chorei, enterrei no quintal e decretei: gatos e eu não fomos feitos um para o outro.

Passados 13 anos, outro cruza novamente meu caminho. Iôiô era a gata praticamente dona da casa inglesa onde me hospedei. Cobrava pedágio onde quer que fôssemos. Ou dava carinho ou não saía da frente. Com receio e certo nojo (confesso), eu esfregava o pé na sua barriga e fugia rapidinho.

A pandemia acabou criando o cenário propício para a chegada de Gamora, a empoderada personagem da Marvel, encarnada num bichano preto e amoroso, mas só com quem o procurasse. Logo depois veio Pagu, a feminista que emprestou a famosa alcunha para a gatinha malhada.

Enquanto duas vira-latas dominam o quintal, as gatas conquistaram o espaço interno e os ocupantes.

Meu adolescente, privado da companhia dos amigos, passa horas correndo atrás das gatas e declarando que elas (e as cachorras, claro) são o amor da sua vida. A preta assiste aulas no colo da minha primogênita e ainda é a companhia do marido durante suas reuniões online.

As duas só se aquecem do frio pós-banho nas pernas da minha mãe e amam puxar a linha do seu crochê. Pagu virou o meu grudinho. Onde vou, ela vai atrás. Pela manhã, o chorinho na porta comove o marido que libera a peralta pra dormir mais um soninho no meu pescoço.

A presença de Gamora e Pagu veio com uma lição inconteste: não existe ‘não gosto’ sem experiência, ou crença absoluta que não possa se tornar uma ideia despropositada. Basta dar a chance, descobrir por si mesmo. Amor é de graça e preenche os vazios. Afeto é bom demais, todo mundo gosta. E precisa.


*@rorezende_ é goiana do pé rachado. Amante das plantas e dos animais, é mãe de 4 filhas adotivas, caninas e felinas, e de um casal de adolescentes. É lixóloga por paixão e jornalista por curiosidade. Sagitariana, tem asas abertas prontas para qualquer instigante ventania.

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